quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

15/1 (2001)


Visita ao Palácio da Escola Politécnica, mais conhecido por Procuradoria Geral da República. Gostei de ver o Dr. Souto Moura a falar com as secretárias no gabinete delas e não no seu próprio bunker. Seria bom que esta informalidade correspondesse a uma mudança, não na forma de pensar os problemas da justiça, que era inexcedível no tempo do dr. Cunha Rodrigues, mas na forma de os enfrentar, que eu desejo mais aberta, mais ousada e distante dos enredos do poder.
O que fui fazer à PGR é segredo, não se pode contar. Só mais um dos meus processos explosivos, a que é preciso dar uma solução simultaneamente sensata e irrepreensível do ponto de vista jurídico, o que às vezes se torna quase irrealizável.
Tema de resto muito interessante, este do segredo, capaz de se sujeitar às mais diversas modelações e provas, sempre com efeitos garantidos. Que me lembre, regulamentados, já o segredo de justiça, o de Estado, o profissional, o bancário, já para não falar no de confissão que a outro mundo pertence. Mas os mais interessantes são aqueles que apenas a vontade gere e escapam a qualquer regulamentação. Alguns não passam de inomináveis feridas. Outros há que como jóias raras se devem preservar. Também do segredo se diz que é a alma do negócio, e apesar de não se dizer digo eu que é também a do desejo. Às vezes os segredos atormentam de tal maneira que nos fazem perder a lucidez e ainda mais o sossego de viver, sobretudo quando nos pomos insensatamente a desconfiar que a revelação seria um bálsamo, porventura o esplendor de uma jóia ainda mais rara. Mas quando isso acontece o remédio é a estória d' O Príncipe com Orelhas de Burro:
Era uma vez um rei que muito triste andava por não lhe ser concedida a graça de um filho que lhe sucedesse no reinado. Até que ao fim de longos anos tormentosos as fadas se compadeceram e lhe deram a ventura de um filho varão. Mas uma delas, a quem o rei recusara em tempos uma ilha que andava a cobiçar, aproveitou a ocasião para a vingança e com a sua varinha mágica dotou o pequeno rebento, ainda no ventre da mãe, com soberbas e macias orelhas de burro. Quando o príncipe nasceu, a par da alegria veio a tristeza real por este defeito sem remédio. E logo ali foi decretado que o fenómeno passaria a ser um segredo inviolável.
O resto da estória pode ler-se em qualquer colectânea de contos populares, uma boa proposta para o serão.

Julieta Monginho
Onde Está J.? (Diário)
2002, ed. Campo das Letras
pintura de Georges de la Tour

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