CLÁSSICO MA NON TROPPO
Acaba de ser lançado o mais recente álbum de Tori Amos, para grande felicidade minha.
Acaba de ser lançado o mais recente álbum de Tori Amos, para grande felicidade minha.
Desde o longínquo 'Little Earthquakes' (1990) que o percurso desta cantora/pianista/compositora se tem demarcado como um bastante pessoal e complexo. Sempre levada pela criatividade, Miss Myra Ellen tem criado para cada álbum um conceito e um imaginário, para que tudo conflui, desde as letras à escolha dos instrumentos à direcção de arte dos albuns, onde pressentimos uma homenagem a Cindy Sherman. Assim compreendemos álbuns como 'Boys For Pele' (1997), onde os sentimentos exacerbados que se cantavam exigiam uma sonoridade barroca, conseguida não só pelas composições violentas e complexas, como pela escolha do cravo como instrumento central; ou então 'Scarlet's Walk' (2002) que nos propunha uma viagem pelos Estados Unidos depois do 11 de Setembro, num tom ora crítico ora cínico; ou mesmo 'American Doll Posse' (2007) que se dividia por cinco personagens distintas, cada uma cantando diferentes sentimentos e diferentes intelectualidades, já que era de intelectualidades que, acima de tudo, se tratava.
O álbum anterior, 'Abnormally Attraced to Sin' (2009), surgia um pouco no encalço de 'American Doll Posse', e, entre a tentativa de transpor o som do palco para o estúdio, deixava muitas portas abertas para o futuro, mas nada, de forma alguma, nos poderia preparar para aquilo que vimos agora encontrar em 'Night of Hunters'. O projecto que ora nos surge é um que poderia ter sido pressentido nalguns momentos da discografia de Amos, mas é aqui que ele se torna pleno e assumido, como peça de certa forma à parte do restante trabalho de Amos. Para este álbum, ela convoca vários compositores eruditos, entre os quais Erik Satie, Chopin, Schubert, Bach ou Debussy, e propõe-nos variações sobre algumas árias destes compositores, variações que não abdicam do estilo pessoal de Amos.
Há que realçar, desde já, uma característica geral em 'Night of Hunters' que é a total recusa de uma pose reverencial ou até historicista do trabalho dos compositores escolhidos, que poderia resultar num álbum pouco criativo e meramente revisitante. Nada disso. Por mais que se sinta a presença dos compositores, todo este álbum transpira a atmosfera de Tori Amos, os seus maneirismos, enfim, a sua individualidade, mesmo sem os recursos que a sua música, por norma, comporta. Não podemos, de forma alguma, dizer que este é mais um álbum de Tori Amos. Bem pelo contrário. Não é preciso ser-se culto para ouvir 'Night of Hunters', mas foi preciso que Myra Ellen fosse culta para o fazer e para o fazer desta forma: sem se afastar, como dizia, da sua individualidade, ela tem consciência de que revisitar estes compositores significa que algumas opções têm que ser tomadas: assim, encontramos um álbum acústico, tocado em torno do piano, com arranjos de cordas e sopros. Além disso, nas letras, é inevitável sentir algumas influências das épocas das composições originais. Assim sendo, e isso vê-se bem em canções como Battle of Trees, um imaginário fantasioso e idílico, que só pontualmente foi dando mostras nos álbuns anteriores; e a soma de todas as faixas acaba por nos dar nota de uma atitude de storytelling, efabulada sim, mas sem abdicar de certos elementos críticos muito subtis que fazem parte do estilo de Amos. A história de uma mulher que termina uma relação insatisfatória é contada no estilo lírico e algo obscuro a que as letras de Tori nos têm habituado desde sempre.
A sonoridade do álbum é, como acima disse, essencialmente acústica, mas muito sóbria, elegante e, de certa forma, algo sombria. É um álbum intimista, mas nem por isso menos explosivo, sendo que, em várias canções, reconhecemos a brutalidade que tem sido quase imagem de marca desta artista, como acontece, por exemplo, em Fearlessness ou Star Whisperer.
Também interessa assinalar uma coisa: Amos seleccionou compositores muito diferentes entre si e de épocas diferentes também, o que exigiu que os trabalhasse de maneira a conseguir que 'Night of Hunters' resultasse como unidade, como conjunto coerente. Esse é um mérito que lhe cabe.
Encontramos aqui canções que podem muito bem estar entre as melhores de Myra Ellen, como Shattering Sea (Tendo esta uma letra realmente intensa.), Battle of the Trees, Fearlessness, Job's Coffin ou Seven Sisters.
Definitivamente, este é um álbum difícil mas, isso também definitivamente, é mais uma prova da genialidade de Tori Amos, e, mesmo sendo um álbum à parte, há que vê-lo como o álbum grandioso e dramático que realmente é.
O álbum anterior, 'Abnormally Attraced to Sin' (2009), surgia um pouco no encalço de 'American Doll Posse', e, entre a tentativa de transpor o som do palco para o estúdio, deixava muitas portas abertas para o futuro, mas nada, de forma alguma, nos poderia preparar para aquilo que vimos agora encontrar em 'Night of Hunters'. O projecto que ora nos surge é um que poderia ter sido pressentido nalguns momentos da discografia de Amos, mas é aqui que ele se torna pleno e assumido, como peça de certa forma à parte do restante trabalho de Amos. Para este álbum, ela convoca vários compositores eruditos, entre os quais Erik Satie, Chopin, Schubert, Bach ou Debussy, e propõe-nos variações sobre algumas árias destes compositores, variações que não abdicam do estilo pessoal de Amos.
Há que realçar, desde já, uma característica geral em 'Night of Hunters' que é a total recusa de uma pose reverencial ou até historicista do trabalho dos compositores escolhidos, que poderia resultar num álbum pouco criativo e meramente revisitante. Nada disso. Por mais que se sinta a presença dos compositores, todo este álbum transpira a atmosfera de Tori Amos, os seus maneirismos, enfim, a sua individualidade, mesmo sem os recursos que a sua música, por norma, comporta. Não podemos, de forma alguma, dizer que este é mais um álbum de Tori Amos. Bem pelo contrário. Não é preciso ser-se culto para ouvir 'Night of Hunters', mas foi preciso que Myra Ellen fosse culta para o fazer e para o fazer desta forma: sem se afastar, como dizia, da sua individualidade, ela tem consciência de que revisitar estes compositores significa que algumas opções têm que ser tomadas: assim, encontramos um álbum acústico, tocado em torno do piano, com arranjos de cordas e sopros. Além disso, nas letras, é inevitável sentir algumas influências das épocas das composições originais. Assim sendo, e isso vê-se bem em canções como Battle of Trees, um imaginário fantasioso e idílico, que só pontualmente foi dando mostras nos álbuns anteriores; e a soma de todas as faixas acaba por nos dar nota de uma atitude de storytelling, efabulada sim, mas sem abdicar de certos elementos críticos muito subtis que fazem parte do estilo de Amos. A história de uma mulher que termina uma relação insatisfatória é contada no estilo lírico e algo obscuro a que as letras de Tori nos têm habituado desde sempre.
A sonoridade do álbum é, como acima disse, essencialmente acústica, mas muito sóbria, elegante e, de certa forma, algo sombria. É um álbum intimista, mas nem por isso menos explosivo, sendo que, em várias canções, reconhecemos a brutalidade que tem sido quase imagem de marca desta artista, como acontece, por exemplo, em Fearlessness ou Star Whisperer.
Também interessa assinalar uma coisa: Amos seleccionou compositores muito diferentes entre si e de épocas diferentes também, o que exigiu que os trabalhasse de maneira a conseguir que 'Night of Hunters' resultasse como unidade, como conjunto coerente. Esse é um mérito que lhe cabe.
Encontramos aqui canções que podem muito bem estar entre as melhores de Myra Ellen, como Shattering Sea (Tendo esta uma letra realmente intensa.), Battle of the Trees, Fearlessness, Job's Coffin ou Seven Sisters.
Definitivamente, este é um álbum difícil mas, isso também definitivamente, é mais uma prova da genialidade de Tori Amos, e, mesmo sendo um álbum à parte, há que vê-lo como o álbum grandioso e dramático que realmente é.
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