domingo, 9 de outubro de 2011

Nenhum Problema: Só Ironia


Um pescoço é um falo.
Hoje recebi de presente um colar para
o meu. Rodear o pénis
por uma cintura de estrelas é um caso clínico.
Uma forma muito subtil de castrar o crânio
para evitar o confronto com os problemas que este
inventa; mas o problema
é que não há problema algum: mesmo decepado,
restam, na face, os olhos, a boca e o nariz -e na verdade há pessoas
que vêem pelo nariz e respiram pela
boca. Portanto e de uma vez por todas: a ameaça reactiva
não pega. Preocupante! Serei, de facto, uma pega? Devia então usar
o colar descaradamente: como quem mostra
os genitais.
Um poeta pudico 
e piegas
chamou à púbis pérola: Pérola Negra
era o nome de um cabaré do Porto: todos os intelectuais conservadores
o frequentavam. Inclusivamente eu -participei mesmo
num espectáculo de lésbicas.
Mas. E voltando às pérolas. Devo dizer-vos, nesta altura,
que recebi de presente 
um anel de pérolas -de uma mulher.
Fui com ela para a cama: era velha -dormi com os vermes.
Não teve graça nenhuma.
E quanto às estereotipias: não recordo nenhum presente masculino
que não confirme esta poética obsessão
fetichista.
Para mim já foi bizarra. Foi, não o é: agora já recebo pérolas.
As mulheres costumam oferecer aos amantes
porta-chaves. Portas que se abrem e fecham. Regularidades.
Sínteses.
Freud e Marx.
Pessoa e espécie.
Enfim! Já me ofereceram anéis e colares de pérolas
mas nunca ninguém me ofereceu algo... algo de especial...
que me permitisse imaginar coisas... muito peculiares... como acontece às
personagens de Gorey: Donalds. Por exemplo.
«Donalds constructed things» que desejaria
oferecessem só a mim.

Eduarda Chiote
Órgãos Epistolares
2011, ed. Afrontamento
fotografia de Cindy Sherman

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