CATARSE
Para falar do álbum novo dos Anathema, lançado há três dias apenas, há que recordar um pouco a história da banda, quanto mais não seja por se tratar de um história que não é propriamente linear.
Para falar do álbum novo dos Anathema, lançado há três dias apenas, há que recordar um pouco a história da banda, quanto mais não seja por se tratar de um história que não é propriamente linear.
A primeira aparição desta banda de Liverpool deu-se em 1990, com uma audiocassete chamada 'An Iliad of Woes'. Integravam a banda os três irmãos Daniel, Vincent e Jamie Cavanagh, os primeiros dois na guitarra e o terceiro no baixo; John Douglas como baterista e Darren White como vocalista. Das quatro canções que compunham esta demo, nenhuma viria a ser revisitada. Um ano depois, de novo em audiocassete, aparecia 'All Faith is Lost', outra demo, de cujas quatro canções, três haveriam de se revelar das mais aclamadas da banda. Em 1992, surge o primeiro álbum, o EP 'The Crestfallen', onde reapareciam duas das canções da segunda demo. No ano seguinte, o primeiro LP tem como nome 'Serenades', e, nele, já não encontramos no baixo Jamie Cavanagh, mas sim Duncan Patterson, que haveria de ser um dos compositores em tempos vindouros da banda, que, na altura, fazia doom metal. E assim seria por mais dois anos: os anos em que encontramos os EPs 'We Are The Bible' (1994) e 'Pentecost III' (1995). É depois do lançamento deste último que Darren White deixa a banda. E esta alteração seria, talvez, a mais decisiva no percurso dos Anathema. Aparentemente, White não estava interessado no rumo que a banda tomava, e que se afastava do doom-metal, aproximando-se de sonoridades mais experimentais e melódicas.
Foi assim que Vincent Cavanagh passou a vocalista da banda. Daniel Cavanagh, que era o principal compositor da banda, passou também a ser o autor das letras, cargo que, ao longo dos sete álbuns de originais que os Anathema gravaram desde então, tem sido dividido com Duncan Patterson, que deixaria a banda depois de 'Alternative 4' (1998), com Dave Pybus, o baixista de 'Judgement' e 'A Fine Day to Exit' (1999) e com o baterista John Douglas. Em 1999, juntar-se-iam à banda Lee Douglas, como segunda vocalista, e Les Smith como teclista.
O que mais interessa é que 'The Silent Enigma', EP lançado em 1995 vem trazer-nos uma banda que só em nome é a mesma que fora nos anteriores cinco anos. Mantém-se a angústia, mantém-se a violência, mantém-se a tensão, mas a guturalidade da voz de Darren White dá lugar à voz de Vincent Cavanagh, que encontra a força numa tonalidade frágil e emotiva, muito mais capaz de transmitir aquilo que de mais soturno e -por que não dizê-lo- deprimente existe na música dos Anathema, que agora se despe de pretensões e se entrega a experimentações. É esta a ideia ainda do álbum seguinte, 'Eternity' (1996) mas será o álbum 'Alternative 4' (1998) o primeiro momento de verdadeira maturidade da banda. Daí para a frente encontramos alguns dos albuns mais significativos daquilo que se possa chamar o progressive-rock: 'Judgemet', 'A Fine Day to Exit', 'A Natural Disaster' (2003), 'Hindsight' (2008) e 'We're Here Because We're Here' (2010).
De 'Hindsight' precisamente interessa falar. Neste álbum, os Anathema gravam versões acústicas de nove canções escolhidas da fase 1996-2003.
Portanto, quando 'Falling Deeper' nos foi anunciado como recuperação de canções da fase 1991-1995 da banda, pensámos instintivamente tratar-se de uma espécie de continuação do conceito de 'Hindsight'.
Essa ideia, no entanto, não parece ser muito exacta. De facto, há diferenças substanciais entre o que era o álbum de 2008 e o que é este que agora nos chega.
'Falling Deeper' abre com uma das canções mais emblemáticas dos Anathema, Crestfallen, uma canção que surge pela primeira vez em 'All Faith is Lost' e é gravada definitivamente no EP a que dá nome. Onde estava a violência, aqui encontramos um lado melódico profundamente harmonioso, com arranjos orquestrais grandiosos, e as vozes de Vincent Cavanagh e Lee Douglas repetindo as palavras 'falling deeper', que, aliás, faziam parte da letra original de Crestfallen, escrita por Danny Cavanagh.
A grande maioria do álbum é feita desta forma. O ênfase é colocado quase totalmente no lado instrumental, onde os instrumentos, maioritariamente acústicos, se cruzam com os grandes arranjos de orquestra, um pouco como vinha acontecendo em 'We're Here Because We're Here'. O instrumento que parece ter maior importância, ainda assim, é o piano, e não a guitarra, e isso constitui de certa forma uma novidade na música dos Anathema.
Com esta construção muito definida e concreta, o álbum vai tendo momentos de beleza absoluta, como Sleep In Sanity, Alone, We The Gods e o emblemático They Die (Também chamado They (Will Always) Die.). As vozes dos dois vocalistas surgem na maior parte das faixas como vozes-ambiente, por vezes declamando palavras, outras vezes em surdina. São excepção a nova versão de Everwake onde encontramos a voz de Anneke Van Giersbergen, uma voz bela que consegue perfeitamente captar a atmosfera da canção; Kingdom, onde os dois vocalistas entoam a letra num tom quase sussurrado e Sunset Of Age, que, de todas as faixas, será talvez aquela que mais se aproxima da sua versão original.
A opção do instrumental é acertada na maioria dos casos, já que, por si só, o instrumental é capaz de expressar com toda a clareza aquilo que os Anathema fazem de momento, e também aquilo que, na sua música inicial, existia já de comum com o presente. No entanto, há duas excepções que apetece apontar, e elas são Crestfallen e They Die. Não porque as versões instrumentais (Ou quase, no caso da primeira.) sejam insatisfatórias, mas porque, sendo duas das canções mais emblemáticas desta banda, de certa forma pediam que, nelas, se arriscasse um pouco mais, sendo trabalhadas também a nível da colocação da voz.
Nos restantes casos, as opções parecem ter sido as mais indicadas, guardando-se a componente vocal para apenas alguns momentos em que ela se torna algo crucial. A única perda que isto comporta é a das letras originais, sendo que muitas delas são algumas das melhores já escritas por Daniel Cavanagh; merecendo, portanto, ser ouvidas desta forma menos gutural.
Há ainda que assinalar a transpiração que a produção deste álbum terá implicado, pois é certo que nos surge como um objecto perfeitamente acabado e conseguido, na tarefa aparentemente impossível de transformar em symphonic-rock aquilo que era doom-metal. Poderíamos ter aqui uma receita para o verdadeiro fracasso e não é isso que acontece. 'Falling Deeper' é um álbum simples mas cheio de detalhes subtis, não ficando, por isso, na maioria dos seus momentos, a dever seja o que for ao que esta banda de melhor tem feito. No fundo, este álbum vem continuar aquilo que 'We're Here Because We're Here' já tinha vindo atestar preto-no-branco: que a música dos Anathema é profundamente angustiada, ao mesmo tempo que é profundamente bela, resultando, então, numa espécie de libertação, de catarse. E por isso estas canções potencialmente nos comovem tanto.
O caminho está definido e, assim, aberto. Esperemos que um próximo álbum de originais não demore muito (Lembremos que entre 'A Natural Disaster' e 'We're Here Because We're Here' se passaram sete anos.). E, claro, esperemos que o lançamento de 'Falling Deeper' signifique um ou mais concertos em Portugal, já que a transposição destas canções para o palco não deixa de nos parecer intrigante.
A grande maioria do álbum é feita desta forma. O ênfase é colocado quase totalmente no lado instrumental, onde os instrumentos, maioritariamente acústicos, se cruzam com os grandes arranjos de orquestra, um pouco como vinha acontecendo em 'We're Here Because We're Here'. O instrumento que parece ter maior importância, ainda assim, é o piano, e não a guitarra, e isso constitui de certa forma uma novidade na música dos Anathema.
Com esta construção muito definida e concreta, o álbum vai tendo momentos de beleza absoluta, como Sleep In Sanity, Alone, We The Gods e o emblemático They Die (Também chamado They (Will Always) Die.). As vozes dos dois vocalistas surgem na maior parte das faixas como vozes-ambiente, por vezes declamando palavras, outras vezes em surdina. São excepção a nova versão de Everwake onde encontramos a voz de Anneke Van Giersbergen, uma voz bela que consegue perfeitamente captar a atmosfera da canção; Kingdom, onde os dois vocalistas entoam a letra num tom quase sussurrado e Sunset Of Age, que, de todas as faixas, será talvez aquela que mais se aproxima da sua versão original.
A opção do instrumental é acertada na maioria dos casos, já que, por si só, o instrumental é capaz de expressar com toda a clareza aquilo que os Anathema fazem de momento, e também aquilo que, na sua música inicial, existia já de comum com o presente. No entanto, há duas excepções que apetece apontar, e elas são Crestfallen e They Die. Não porque as versões instrumentais (Ou quase, no caso da primeira.) sejam insatisfatórias, mas porque, sendo duas das canções mais emblemáticas desta banda, de certa forma pediam que, nelas, se arriscasse um pouco mais, sendo trabalhadas também a nível da colocação da voz.
Nos restantes casos, as opções parecem ter sido as mais indicadas, guardando-se a componente vocal para apenas alguns momentos em que ela se torna algo crucial. A única perda que isto comporta é a das letras originais, sendo que muitas delas são algumas das melhores já escritas por Daniel Cavanagh; merecendo, portanto, ser ouvidas desta forma menos gutural.
Há ainda que assinalar a transpiração que a produção deste álbum terá implicado, pois é certo que nos surge como um objecto perfeitamente acabado e conseguido, na tarefa aparentemente impossível de transformar em symphonic-rock aquilo que era doom-metal. Poderíamos ter aqui uma receita para o verdadeiro fracasso e não é isso que acontece. 'Falling Deeper' é um álbum simples mas cheio de detalhes subtis, não ficando, por isso, na maioria dos seus momentos, a dever seja o que for ao que esta banda de melhor tem feito. No fundo, este álbum vem continuar aquilo que 'We're Here Because We're Here' já tinha vindo atestar preto-no-branco: que a música dos Anathema é profundamente angustiada, ao mesmo tempo que é profundamente bela, resultando, então, numa espécie de libertação, de catarse. E por isso estas canções potencialmente nos comovem tanto.
O caminho está definido e, assim, aberto. Esperemos que um próximo álbum de originais não demore muito (Lembremos que entre 'A Natural Disaster' e 'We're Here Because We're Here' se passaram sete anos.). E, claro, esperemos que o lançamento de 'Falling Deeper' signifique um ou mais concertos em Portugal, já que a transposição destas canções para o palco não deixa de nos parecer intrigante.
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