quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Hellraiser V: Inferno de Scott Derrickson

QUASE QUASE QUASE

Quatro filmes numa saga é muita coisa. Com uma média de hora e meia cada um, quatro filmes somam seis horas de fita dedicadas, mais ou menos, ao mesmo assunto.
Quando, em 2000, Scott Derrickson embarcou no projecto de fazer uma quinta parte para 'Hellraiser', deve ter tido a inteligência de perceber que isso não podia ser feito de qualquer maneira. Era imperativo que o argumento para mais uma sequela fosse muito, mas mesmo muito pensado. Isto porque com uma quarta parte passada no Espaço, parece que já toda a tentativa de retomar 'Hellraiser' estaria fadada para a desgraça.

Portanto, Derrickson e Paul Harris Boardman, ao escreverem o argumento, perceberam que era precisa uma mudança de direcção nesta saga, mas uma mudança bem pensada e que não tivesse contornos de ridículo.
Qual é, portanto, em termos gerais, a maior mudança que se sente em 'Hellraiser V: Inferno', comparativamente aos seus predecessores? É que este não é um filme gore. É um filme declaradamente violento, é certo, mas essa violência decorre a um nível psicológico, e mesmo a um nível narrativo. Mas, contrariamente ao passado, não há neste filme entranhas à mostra nem explosões sadomasoquistas. Pelo menos em conceito, a ideia é boa.
Vejamos então o que acontece com o filme propriamente dito. Encontramos, e isso está bastante longe de ser um rasgo de originalidade, um detective corrupto, Joseph Thorne (Craig Sheffer), que encontra a caixa-puzzle do Inferno ao investigar a cena de um crime violento, facilmente associável, em termos de cenografia, a um misto de ritual satânico com uma sessão sadomasoquista.
Enquanto temos acesso aos vícios de Joseph, que se relacionam com droga, dinheiro e prostitutas, percebemos também que, sem querer, ele terá aberto a caixa da Configuração do Lamento. Por meios travessos, Joseph toma conhecimento de um misterioso e perigoso homem, que, pensa ele, estará ligado à máfia, que dá pelo nome de O Engenheiro. Perceberemos que O Engenheiro não é outro que não o charmoso Pinhead.
A partir daqui, todo o filme está cheio de progressos e retrocessos, de afirmações e negações das mesmas realidades, gerando-se, enfim, uma espécie de labirinto no próprio decurso da narrativa. Joseph parece nunca realmente tomar consciência da natureza dos fenómenos que atravessa, parecendo concentrado em, a todo o custo, encontrar O Engenheiro, ao mesmo tempo que a sua vida começa a estilhaçar e se torna claro que nem ele mesmo consegue distinguir a realidade dos delírios em que vai caindo. O enigma vai-se tornando tanto mais intrincado quanto mais Joseph se aproxima d'O Engenheiro, terminando de uma maneira angustiante e profundamente pesada -em termos psicológicos, claro.
É evidente que este filme não dispensa uma certa violência gráfica. No entanto, na grande maioria dos casos, encontramos tudo já consumado, já que, pode-se dizer, nós seguimos a investigação, tal como Joseph, o que significa que, maioritariamente, teremos acesso ao resultado dos homicídios, menos do que ao seu decorrer.
A verdade é que um filme como este pode, de certa forma, desiludir alguns fãs de 'Hellraiser'. Isto porque a mudança é, na verdade, drástica. A escolha de transladar toda a pulsão agressiva para o domínio psíquico e para a própria estruturação da narrativa do filme, pode resultar numa comunicação menos imediatista. No entanto, sendo que, por razões que abaixo explicarei, me parece que 'Hellraiser V: Inferno' está longe de ser um grande filme, parece-me que, de todas as sequelas do filme de 1987, esta consegue ser melhor que qualquer uma que esteja entre os dois filmes. E, e isso é sempre algo a assinalar, é o primeiro a introduzir mudanças realmente significativas na génese de 'Hellraiser'.
Cabe, portanto, a Scott Derrickson o mérito de ter arriscado realmente inovar e, de certa forma, mostrar-nos o avesso daquilo que víamos no filme de Clive Barker. Se o tema foi sempre o sadomasoquismo, enquanto prazer do sofrimento, a verdade é que durante quatro filmes esse tema, de formas mais conseguidas ou menos, tem sido abordado do seu ponto de vista físico, no mostrado. E Derrickson parece, pela primeira vez, ter colocado a ênfase no lado psíquico, de percepção desse mesmo prazer do sofrimento. Este filme, portanto, exerce um certo impacto por meio de sugestão, e essa é uma solução que tem salvo muitos filmes da mediocridade (Pensemos por exemplo em 'The Blair Witch Project', que é exemplo extremo disto mesmo.).


O que corre, então, mal em 'Hellraiser V: Inferno'? Salvo um certo excesso de carga enigmática e muito excesso no lado corrupto de Joseph, e também a cedência a alguns clichés ligados aos filmes que partem de investigações criminais e o desequilíbrio que se sente no que toca à aproximação de Joseph a'O Engenheiro e à verdade sobre a Configuração do Lamento; não há nada que corra particularmente mal. Parece-me que o labirinto de realidade em torno de Joseph toma alguns contornos claramente ficcionais; parece-me que se cria demasiado suspense até ao encontro com O Engenheiro. Mas é a cedência aos clichés que afunda parcialmente 'Hellraiser V: Inferno'. Um pouco de esforço por encontrar alguma invulgaridade teria favorecido muito este filme. Mas temos cá tudo: desde o polícia obcecado com a resolução de um crime brutal; temos a dupla de polícia bom e polícia mau; temos o polícia mau que usa meios ilícitos por uma causa nobre. Teria sido mais inteligente que esta investigação funcionasse como um pano de fundo para a relação entre Joseph e a Configuração do Lamento, no entanto, na maioria do filme, sentimos que acontece o contrário.
Não se trata, feitas as contas de um mau filme. Como disse, é bastante melhor que a segunda, a terceira e a quarta partes. Só que um esforço um tanto maior teria resultado num filme realmente bom, em vez que se ficar pelo razoavelmente bom.


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