Chama-se "
O Brilho da Lama" o mais recente livro de poemas originais da poetisa e artista plástica
Isabel de Sá. E mais recente não quer dizer que é recente, até porque é de 1999, quer dizer que não há mais originais publicados desde então.
É o 12º livro de uma poetisa que há muito já mostrou que o seu universo é próprio e único. Desde "Esquizo Frenia" (1979) que as imagens expressionistas ou surrealistas e a linguagem clara marcam os textos de Isabel de Sá, assim como a tendência para a metáfora, a instrospecção, a vontade de questionar ou de criticar, características, aliás que também estão bastante claras no seu trabalho plástico.
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A poesia de Isabel de Sá é povoada de crianças, de memórias de infância, de morte, de rituais e personagens bizarras, de uma paixão que deflagra, e de um amor quase impossível.
Em "O Brilho da Lama", tudo isto vem agora dividir o espaço com os hermafroditos, as crianças autistas, os bispos luxuriosos, os bichos, os monstros, ou seja, todas as figuras da pintura de Isabel de Sá.
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"Conversa de Bispos" 1977
Isto porque o primeiro capítulo do livro não ao acaso tem o nome de "Das Trevas Para a Luz": este era também o nome da exposição antológica dos 20 anos de pintura de Isabel de Sá na Galeria de São Mamede. E estes poemas, sempre dentro da linguagem única da artista, reflectem e aprofundam aquilo que já está á mostra nas pinturas. São, portanto, aqui analisados esses personagens, também eles únicos: as "mulheres-bonecas, apunhaladas", os "Bispos, rostos de luxúria/ e tirania", as "Crianças aterrorizadas/ no leito de morte,", as claraboias, os unicórnios, os demónios, os pássaros, etc.
Depois, "Na Escuridão do Espelho", o segundo capítulo, surgem em força os sentimentos, a sua erosão, no fundo, as coisas menos analistas e mais introspectivas, em que a poetisa fala para outra pessoa, para a pessoa que é o seu objecto de paixão, ou o seu objecto de amor. E estes são poemas belíssimos, carregados de um conhecimento muito exacto sobre o desejo, a paixão, o amor, a luxúria, a morte, o desgaste, e tudo o que povoa a vida.
"O Brilho da Lama" é, por isso, um livro obrigatório. Destaque também para a capa, brutal, com duas imagens de 1977 da própria Isabel de Sá.
Ficam dois poemas do livro, para dar uma ideia de como ele é:
"Bispos, rostos de luxúria
e tirania
povoam o insólito mundo de homens
anónimos das cidades.
Amantes encontram-se, furtivamente.
Frisos de belos figurantes
sonham com amores pecaminosos"
(do primeiro capítulo, Das Trevas Para a Luz)
"Só o lume dos teus beijos rompe
a treva onde a solidão nos mata.
Enrolamos a vida no escuro,
na semente de um amor atribulado.
Conhecemoso ritmo e a sede,
a convulsão do desamparo.
No sentido do corpo, no acerto
desce a força pelos braços
na violenta festa do prazer.
Tudo o que disseste
no desaforo da paixão
só podia incendiar a vida inteira
e encher de esperança o universo."
(do segundo capítulo, Na Escuridão do Espelho)
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