sexta-feira, 11 de abril de 2008

as palavras



"As vozes esganiçadas das carpideiras vibram lívidas nas agulhas que a penedia levanta. Arrepiam as cristas das vagas deste oceano de pedra. Descem de socalco em socalco. Vão lamber o gelo do rio que a geada glaciou e a teça do silêncio sepulcral da montanha enche-se do vinho da tua morte. De longe a longe deixam de se ouvir. Adivinha-se uma pausa suspirosa na qual o luto vai buscar reforços ao reservatório da dor para de novo fazer rugir as águas lúgubres da velada. Ouve-se então o uivar do teu cão como se a sua alma sumprisse o apaixonado dever de propagar a lenga-lenga fúnebre.
Piedosamente elas vieram oferecer ao teu cadaver a sua técnica ancestral de prantear od defuntos. Vieram maternalmente a não para receber a caridade, o pão, o vinho que é uso dar aos que vêm velar os moeros. Porque tu não tinhas ninguém para celebrar os ritos da tua morte. Nasceste desta paisagem como as estevas que se eriçam pelas fendas dos xistos."





NATÁLIA CORREIA, "A Madona" (1982)
Imagem: CASPAR DAVID FRIEDRICH

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