quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

The Borgias de Neil Jordan

A HISTÓRIA MAIS ANTIGA DO MUNDO



No segundo volume do díptico 'Lisboaleipzig', intitulado 'O Ensaio de Música', diz Maria Gabriela Llansol

''poder'' era a palavra mais próxima de uma palavra muito feia

e sobre estas duas palavras, ''poder'' e a que está próxima dela, poderíamos dizer que versa a mais recente criação de Neil Jordan. 'The Borgias' é uma reconstituição, cingida ao formato televisivo, da família Borgia, no século XV em Roma. 
Com a morte do Papa Inocêncio VIII em 1492, instala-se no Vaticano uma crise de sucessão, uma vez que não parece ser claro, dos três cardeais mais poderosos, qual ocuparia o cargo de Papa. Rodrigo Llançol de Borgia (Jeremy Irons), com ajuda do filho, Cesare (François Arnaud), um clérigo contrariado, irá comprar os votos da maioria dos cardeais do conclave, e assim se torna o Papa Alexandre VI.


Mas a série centra-se, além das peripécias corruptas e calculistas de Alexandre VI, na sua difícil vida familiar. Com a amante Vannozza dei Cattanei (Johanne Whalley), tem quatro filhos: Cesare, clérigo, rapidamente feito cardeal, quando Alexandre VI decide aumentar o conclave para garantir a sobrevivência do seu pontificado, que veste o hábito por imposição do pai, Juan (David Oakes), um militar sem grande aptidão, que acabará por se tornar Duque de Gândia, Lucrezia (Holliday Grainger), uma inocente rapariga cujo primeiro e desastroso casamento iniciará num longo percurso de manipulação diga da verdadeira e perigosa sedutora, e ainda Joffre (Aiden Alexander), um rapaz de catorze anos, que, em breve, estará casado com uma filha do rei de Nápoles, que aproveita para dormir com os dois irmãos mais velhos do marido. A este conjunto acrescente-se ainda Giulia Farnese (Lotte Verbeek), a nova amante do Papa.
É entre a complexidade do agregado familiar, gerido mais pelos interesses do poderio do que pelos afectos, e o percurso pessoal de cada um dos Borgias que esta série cria o seu enredo, denso e certeiro no que toca a dar-nos uma dimensão do estado da Igreja Católica durante o Renascimento. Mais ainda, esta série demonstra-nos que, realmente, o Poder como forma de controlo e manipulação é a história mais antiga do mundo, de que os Borgias foram exemplo crasso, e assim verificamos que Gabriela Llansol estava correcta, e que o Poder concentrado nas mãos de um é a melhor forma de foder todos os outros (Sabemos perfeitamente que esta era a palavra a que ela queria chegar...).
É evidente que a série, para existir enquanto isso mesmo, série de televisão, se vê forçada a, muitas vezes, distorcer um pouco os factos históricos, não só em vários lapsos temporais, como na própria concepção de personagens. Por exemplo, Cesare Borgia foi responsável pela morte de muitas pessoas e, depois de renunciar ao seu lugar de cardeal, tornou-se um déspota de tal forma exacerbado, que mereceu referência no 'Príncipe' de Maquiavel, ao passo que aqui o encontramos como um personagem algo torturado e que ganha em intensidade o que perde em alegria, intensidade essa que François Arnaud parece hesitante em conseguir no episódio-piloto, mas que encarna assinalavelmente nos restantes. O mesmo se diga em relação à escolha de Holliday Grainger para o papel de Lucrezia Borgia: Neil Jordan surpreende-nos com uma Lucrezia Borgia que não é a femme-fatale canónica e, bem pelo contrário, torna-se manipuladora e sedutora por parecer tão cândida e quase acriançada. Mais ainda, Jordan segue o rumor, nunca comprovado historicamente, de que existiria uma relação incestuosa entre Cesare e Lucrezia.


Ora e se evidentemente não poderíamos exigir rigor histórico num formato destes, poderíamos, isso sim, exigir uma recriação verosímil da época da família Borgia e, nesse aspecto, Jordan excede todas as expectativas. Tudo em 'The Borgias' parece ter sido pensado ao pormenor, desde as roupas aos cenários, com diálogos eficazes e bastante significativos.
Terminada a primeira época, que só recentemente começou a ser exibida em Portugal, a segunda começará em breve nos Estados Unidos, e pode ser seguida pela internet. Se a qualidade continuar, é caso para dizer, corruptos eles ou não, longa vida aos Borgias.

Sem comentários: