sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Poema


Foste para a América como um camponês
dum romance que li no avião
até à cidade onde me esperava
o teu amigo.
Tinha sido ontem.
Ninguém sabia ao certo, os andaimes
ao alto dos andares, talvez findasses
antes de bater no chão.
O cabelo loiro rasgado de sangue.

Um miserável vapor o corpo vai.
Um grau inferior e rutilante
findara.
Nunca mais sigo a teu lado
na ferida da adolescência.
Volto os olhos para o nome dos barcos,
a colina com árvores baixas,
sombras de mulheres com cestos,
gaivotas pousadas no armazém.
O lençol com que te taparam
leva contigo
a maldição dos movimentos reais.

Não te vás embora.
Aquele inverno foi o mais feliz,
pela primeira vez tinha uma lareira,
vinha a voz aceitadora do teu pai
trazer-me de manhã duas laranjas,
as galinhas no quintal a comer milho,
a lua sobre o mar no espelho da sala.

A solitária vida e o teu amigo
diziam-me para entrar naquele bar
com músicas de ninguém.


Joaquim Manuel Magalhães
Intervalo e Tentativa
1977, ed. Inova
pintura de Carla Gonçalves

4 comentários:

Anónimo disse...

Olá,

Gostei do poema de um escritor que merece toda o respeito, mas a pintura, onde a foram buscar? é que eu sou a pintora deste quadro! gostava de saber quem está a utilizar as minhas imagens sem pedido de autorização do autor!
Carla Gonçalves

Supermassive Black-Hole disse...

Olá.

A pintura estava num outro blog, cujo nome não anotei.
Como quando nos conhecemos, eu disse à Carla que muitas vezes, no tempo das Retratoplastias, usava imagens para aqui ilustrar poemas, pensei que não se importasse...
De qualquer maneira, não é minha intenção desrespeitar os direitos de ninguém. Se a Carla quiser, posso substituir a imagem.

Anónimo disse...

Olá Marco, desculpa-me, já me tinha esquecudo de que me falaste nisso. Podes usar que quiseres, eu só estava confusa,

beijinhos e um bom ano,

Carla

Supermassive Black-Hole disse...

obrigado Carla. Mas devo dizer que o meu nome não é Marco... é João.