quarta-feira, 19 de março de 2008

Susana Bravo: Circo Aberto


É essencial ao estar-se perante uma obra de arte saber quais são as armas de se devem usar para a ver e apreciar devidamente. A arte como lente que abre as portas para uma observação de uma realidade é importante e, felizmente, cada vez mais comum. A intervenção, ou seja, a capacidade de expressar alguma ideia relativa a essa realidade é um segundo passo, igual ao primeiro em termos de importância. Assim sendo, a observação é levada a um segundo estatuto, o da análise.
Em Susana Bravo, a observação é óbvia. A análise não é perceptível á primeira vista. O que se denota é, primeiro, uma tentativa de ver o mundo através dos olhos destes personagens, e só daí podemos retirar uma análise. Essa análise não existe no sentido em que critica alguma coisa, no sentido em que choca; mas no sentido em que coloca á vista do espectador algo que não estava explicito antes.


Em termos técnicos, as telas estão muito bem conseguidas. Povoadas maioritáriamente por mulheres, o sentido caótico não se perde: as figuras sobrepõem-se, criam uma espécie de revolução sobre a superfície. O sentido cénico é aguçado, pondo em evidência este espaço que é o circo, e que a exposição coloca em aberto. Para isto, acaba por fundir pintura e desenho na mesma tela: algumas das figuras estão, de facto, pintadas outras são sugeridas apenas pela linha desenhada. No entanto, este caos que reina, acaba por ser inserido em cores suaves, que funcionam como um elemento que embeleza ou confere algum brilho ás imagens, tornando-as menos agressivas e mais idílicas.


Susana Bravo explora também o acto de ver. Em vários componentes de "O Circo Aberto" existe um personagem de costas, que olha para a sua frente, ou até um personagem fixo noutro ponto da tela. Esta inserção de um observador acaba por nos guiar, por nos fazer ver o que a pintora quer que vejamos.


Há, no entanto, um defeito nestes trabalhos: por vezes, parece demasiado óbvia a influência de Paula Rego no que toca á representação do corpo feminino. Ainda que a pintora use uma forma suave e tranquila no desenho das figuras, por vezes remete demasiado para Paula Rego, quer pela distorção das proporções, quer por pequenos detalhes como as figuras que surgem em escalas diferentes.
No entanto, eu sou apologista de que devemos ter uma noção tão larga quanto possível do que está á nossa volta, e esta colecção explora um tema quase insólito. Portanto, a ver, até dia 29 de Março, na Galeria Artes do Solar de Santo António.

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