segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Gus Van Sant: Paranoid Park

PARANÓIA NÃO-ADOLESCENTE


Quando, a certa altura, o melhor amigo do protagonista do novo filme de Gus Van Sant diz
"_No one´s ever ready for Paranoid Park."
ficamos logo com a certeza muito absoluta de que nada de bom poderá acontecer em tal lugar.


Chama-se "Paranoid Park" o terceiro capítulo da trilogia sobre a adolescência que Gus Van Sant inicia com "Gerry" onde dois Gerries se encontram perdidos no deserto, prossegue em "Elephant" onde nos faz atravessar a sua interpretação do Massacre de Columbine, e, após uma interrupção para distorcer os "Last Days" de Kurt Cobain, Van Sant volta á adolescência com "Paranoid Park".
A premissa é simples: Alex é um skater ou aspirante a skater, que aceita, ainda que contrariado, o convite do melhor amigo, para irem a Paranoid Park, um skate park onde praticam skaters obviamente melhores que Alex. É lá que Alex aceita a proposta de um desses skaters para irem passear, trepando a um comboio de mercadorias. O guarda nocturno que os tenta fazer descer desse mesmo comboio acaba por ser atingido por Alex com o seu skate, cai á linha do combio e morre.
Ora, o que em "Elephant" não era vulgar, ainda não o é agora: Van Sant, autor do argumento, desmonta a ordem cronológica dos acontecimentos, mistura os tempos, e logo, confunde os factos. Vai mais longe, por vezes, misturando imagens de uma forma tão perspicaz que é quase possível acreditar que aquelas imagens pertencem áquele tempo. Só mais tarde é provado que não.
Outro aspecto digno de referência é o facto de todo o filme se desenrolar essencialmente dentro da cabeça do seu protagonista. Isto não é pejorativo. De facto, ao longo dos noventa minutos de "Paranoid Park" temos a sensação de estar a avaliar toda a realidade pelos olhos de Alex. Assim sendo, não sentimos que ele tenha culpa, porque o próprio também não sente culpa. O que, por si só, constitui outro ponto alto de todo o filme: um pouco como acontecia em "Elephant", Gus Van Sant conduz-nos pela história, mas subjuga-nos á mente do protagonista. E, ao longo de filme, Alex tenta pensar em como negar a realidade, e, assim, fugir dela. E o espectador é levado atrás. Não há culpa em parte alguma deste filme. E, se tal facto pode parecer arriscado, a verdade é que a interpretação de Gabe Nevins está a altura, outra coisa, aliás, não seria possível, sendo que, na realidade é um protagonita filmado até á exaustão, presente em todas as cenas, portanto, nunca seria possível um filme assim com um mau actor.





A estética é também digna de destaque. Não só na escolha dos planos, belíssimos, de resto, seguindo Alex de forma calustrofóbica, outras vezes mais relaxante, parecendo, no fundo, uma forma de nos mostrar como Alex se vê a si mesmo e ao que o rodeia; mas também na escolha feita com os actores, mesmo figurantes. É uma estética incomum, que prima pelo inusual, ou seja, o oposto da cada vez mais em vigor estética Morangos Com Açúcar onde beleza é igual a bondade e qualidade. Neste filme, é precisamente a personagem com uma beleza mais canonizada que é espezinhada, é difícil dizer se o protagonista é bonito ou feio, o corpo dele aparece poucas vezes despido, e, quando aparece, revela-se um corpo perfeitamente normal, sem as previsíveis semanas de trabalho árduo num ginásio que normalmente é exigido a quem passa uns minutos em tronco nu em frente á câmara.
Por outras palavras: Van Sant sabe como fazer um filme de adolescentes que não é um filme de adolescentes. E isso não é só na estética, é também na recusa dos clichés que normalmente se justificam com um despudorado clamar de realismo: não há aqui sexo excitante, pelo contrário, não há aqui lirismo ou desespero face ao azar, não há aqui uma moral, ninguém aprende lições de vida, ninguém conhece uma namorada para a vida toda, não há uma perseguidora que não olha a meios para atingir os fins, enfim, há algo de muito adulto e racional na pessoa de Alex, que é invulgar recaír sobre um adolescente. E a culpa não tem nada que ver com isto. Porque este é um filme/psiquiatria: o que se vê é o que está dentro da cabeça desta pessoa, e portanto, ela não tem que se esforçar por se fingir arrependida, por parecer muito humana, muito correcta, muito moralista. Só tem que se recostar e deixar-nos ver, literalmente, o que lhe vai na alma. O resto é o genérico.





Veredicto: 19/20

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