Serve de epígrafe ao romance “O Homem Duplicado” de José Saramago uma frase do “Livro dos Contrários” que diz que “O caos é uma ordem por decifrar”. E não, não me enganei. Este início pertence a um texto sobre o segundo LP dos canadianos Árcade Fire.
Há quatro anos atrás, os nomes de Win Butler ou de Régine Chassagne não diziam nada a ninguém, mas hoje, eles são líderes de uma das bandas mais importantes da cena musical contemporânea, não só pela indiscutível qualidade da sua música, como pelo burburinho que se gerou á volta do septeto.
O álbum “Funeral” (2004), em dez canções, conseguiu fazer correr oceanos de tinta pela imprensa da especialidade, e moveu um sem-número de fãs.
Eis que, em 2007, se dá o aguardado regresso. Chama-se “Neon Bible”. Ao ouvir, sabemos que é Árcade Fire, sabemos que é bom, que é muito bom, sabemos que a pior música de “Néon Bible” consegue ser melhor que a melhor música de muita gente, mas, ao mesmo tempo, sabemos, sem equívoco, que alguma coisa mudou, e que não foi para melhor.
Aquilo que fazia de “Funeral” indefinível, a sonoridade variada, solta, libertina, todo aquele caos, perdeu-se. É triste e cortante, mas é assim mesmo. “Néon Bible” é a decifração do caos de “Funeral”, e isso não é bom, porque, em certos momentos, por exemplo na faixa que dá nome ao álbum, ficamos com a noção de que os Árcade Fire estão perto de se tornar catalogáveis.
Como objecto individual, este segundo álbum não tem quase nada de negativo. Com a excepção de algumas canções mais previsíveis (“Néon Bible”, “The Well and the Lighthouse”.), o som é maximalista, grandioso (“Intervention”.), enérgico (“No Cars Go”.), fluido (“Windowsill”.) e, sem dúvida, agradável. É, por vezes, demasiado composto, não há muitos solos, e pouquíssimas mudanças repentinas de ritmo (Como víamos acontecer em “Crown Of Love”, por exemplo.). Win Butler cai também no erro de variar menos a tonalidade em que canta.
As comparações com o predecessor são inevitáveis, é a natureza humana: sente-se a falta do caos, da rebelião. Agora, tem-se um caos decifrado, que ainda não é ordem, mas está mais perto do que seria desejável. No entanto, não deixa (Mesmo.) de ter grandes canções, que nos rasgam alguma coisa lá dentro: como ficar indiferente a “My Body Is a Cage”, a “No Cars Go” ou a “Intervention”?
Veredicto final: 19/20
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