A capa do nono romance de Lídia Jorge, “Combateremos a Sombra” coloca-nos defronte um homem vestido de preto, segurando um ramo de rosas vermelhas em riste para uma cidade cinzenta. Em riste como quem tenta fazer proliferar a cor no incolor, a luz na sombra. Nada mais apropriado. Logo nas primeiras páginas, somos apresentados a Osvaldo Campos, psicanalista de Lisboa, e é sobre ele que monologarão não só o próprio, como também Maria London Loureiro, psicanalisanda a que o protagonista se refere como “A Paciente Magnífica”, Ana Fausta, a secretária, e Rossiana de Jesus Inácio, que se tornará a namorada.
A genialidade de Lídia Jorge começa logo aqui: como contar uma história usando as personalidades de quatro pessoas tão heterogenias? A escritora algarvia, de 60 anos, sabe, e muito bem. Cada um interfere e é referido no momento certo, de maneira que a história se desenvolve sem o recurso a lugares-comuns e aos habituais truques para criar suspense no leitor.
E se se fala em brilhante, há que referir também a maneira como, em particular pela presença de Maria London Loureiro, o protagonismo gradualmente deixa a psicanálise e passa para o esquema de tráfico humano e de droga que Osvaldo descortina: o professor Campos que encontramos no início, completamente absorvido pelos delírios dos seus pacientes e sem tempo para si mesmo, não é o mesmo que encontramos já nos últimos capítulos, que mal tem tempo para a psicanálise, de tanto querer salvar o Mundo, de tanto querer combater a sombra…
Por atender certos pacientes, sem lhes cobrar (Os “miserabilus”.), Osvaldo Campos acaba por ter, deitados no seu divã, os personagens-tipo da sociedade actual portuguesa, e, ainda por cima, entregando-lhe tudo, até o subconsciente. O Eça não faria melhor. Mas mais que expor a sociedade á psicanálise, Lídia Jorge deixa Osvaldo Campos em frente a um esquema de tráfico que passa pelo Prédio Goldoni, onde o psicanalista tem o seu consultório. É através deste esquema que os personagens se entrelaçam como um novelo, e que a escritora retrata aqueles que são dois dos maiores podres desta sociedade em que vivemos: a inércia e o comodismo.
“Não suportamos enfrentar a cara do culpado” diz Lídia Jorge, em entrevista ao Ípsilon. Não, não suportamos, e este livro mostra-nos isso, e sem nos deixar espaço para tentar negar ou ignorar que assim é. Todos os dias, andamos na rua, e cruzamo-nos com o Arquitecto London Loureiro, com José Maria Adolfo, e com Junô d´Almeida, vemo-los e sabemos exactamente o que fazem, e, no entanto, não suportamos dizer que são culpados. Nisto, esquecemo-nos que, ao negarmos a existência de um culpado, somos nós mesmos culpados, de ignorar, de não querer saber. Deixamos que a consciência seja apenas uma visita da noite (Como Maria London Loureiro era a visita da noite do seu psicanalista.) e não pensamos com ela durante o dia.
Posto isto, é muito grave, muito perigoso, que este romance seja realmente realista, mas é. É realista, uma crónica dos nossos dias, uma metáfora fenomenal, e, indubitavelmente, o melhor romance de Lídia Jorge.
Veredicto Final: 20/20
A genialidade de Lídia Jorge começa logo aqui: como contar uma história usando as personalidades de quatro pessoas tão heterogenias? A escritora algarvia, de 60 anos, sabe, e muito bem. Cada um interfere e é referido no momento certo, de maneira que a história se desenvolve sem o recurso a lugares-comuns e aos habituais truques para criar suspense no leitor.
E se se fala em brilhante, há que referir também a maneira como, em particular pela presença de Maria London Loureiro, o protagonismo gradualmente deixa a psicanálise e passa para o esquema de tráfico humano e de droga que Osvaldo descortina: o professor Campos que encontramos no início, completamente absorvido pelos delírios dos seus pacientes e sem tempo para si mesmo, não é o mesmo que encontramos já nos últimos capítulos, que mal tem tempo para a psicanálise, de tanto querer salvar o Mundo, de tanto querer combater a sombra…
Por atender certos pacientes, sem lhes cobrar (Os “miserabilus”.), Osvaldo Campos acaba por ter, deitados no seu divã, os personagens-tipo da sociedade actual portuguesa, e, ainda por cima, entregando-lhe tudo, até o subconsciente. O Eça não faria melhor. Mas mais que expor a sociedade á psicanálise, Lídia Jorge deixa Osvaldo Campos em frente a um esquema de tráfico que passa pelo Prédio Goldoni, onde o psicanalista tem o seu consultório. É através deste esquema que os personagens se entrelaçam como um novelo, e que a escritora retrata aqueles que são dois dos maiores podres desta sociedade em que vivemos: a inércia e o comodismo.
“Não suportamos enfrentar a cara do culpado” diz Lídia Jorge, em entrevista ao Ípsilon. Não, não suportamos, e este livro mostra-nos isso, e sem nos deixar espaço para tentar negar ou ignorar que assim é. Todos os dias, andamos na rua, e cruzamo-nos com o Arquitecto London Loureiro, com José Maria Adolfo, e com Junô d´Almeida, vemo-los e sabemos exactamente o que fazem, e, no entanto, não suportamos dizer que são culpados. Nisto, esquecemo-nos que, ao negarmos a existência de um culpado, somos nós mesmos culpados, de ignorar, de não querer saber. Deixamos que a consciência seja apenas uma visita da noite (Como Maria London Loureiro era a visita da noite do seu psicanalista.) e não pensamos com ela durante o dia.
Posto isto, é muito grave, muito perigoso, que este romance seja realmente realista, mas é. É realista, uma crónica dos nossos dias, uma metáfora fenomenal, e, indubitavelmente, o melhor romance de Lídia Jorge.
Veredicto Final: 20/20
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