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sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Coisas minhas III


ANTES DE PARTIR


Sob o último céu que vejo daqui
espero  as luzes da rua.
As casas enterram-se no chão
até serem uma mancha na retina.

Estou preso à estrada,
a fundir-me no alcatrão.

Aprendi o nome das ruas, fixei
algumas árvores,
deixei-me pertencer a este lugar,
adiei a partida.

Nesta última noite chove, ainda
é verão. Parece-me que estou menos só,
como se a noite reagisse à tristeza
e chorasse também.

No meu choro tento memorizar
certos detalhes, uma cor, um resto
de tinta a descascar na parede. Mas é inútil.
Devia pensar que partir será
chegar a outro sítio. Mas a ausência
e a última visão da minha

casa dá lugar só às trevas.

[João Borges: Porto, Julho 2009]
imagem de Helena Almeida

sábado, 1 de setembro de 2012

Coisas minhas II


 
 O SEGUNDO SOL
 
And the things that are flowers are dead
I keep waterind the dead flower
There's not enough of me to make a bouquet
Stop watering the dead flower
 
Marilyn Manson, Doppelherz
Sob o brilho da manhã encontro
o abismo, memória
da infância que foge para nos atormentar
ou proteger.
 
No betão derrama-se a luz e acorda
o desejo de fuga, o drama de um exílio.
 
Há uma flor morta.
O teu perfil
tem a força da seiva, o olhar
vago traz de voltao tempo
em que o corpo se tornou vida.
 
Às vezes parece que te amo, outras
és só espelho.
Tens a mão pousada sobre a perna
como uma promessa esquecida.
Vem a laceração,
o gelo sob a pele, translúcido,
e a flor morre mais
apesar de seres água ou
um segundo sol que dá vida
mais do que a dá o primeiro.
 

Vou contra o tédio e a inércia
a imaginar o teu corpo
abraçado ao meu como se fôssemos
a mesma sombra.
 
 

[João Borges: Lisboa, 13.3.12]
 
desenho de Isabel de Sá

terça-feira, 31 de julho de 2012

Coisas minhas I



A FINE DAY TO EXIT*

A cidade parece
uma miniatura na esfera
de vidro e eu caminho nela,
encurralado. À espera.
Assim
me afundo, páro

no café onde não estás
e sei que este
é um bom dia para ir embora.

Estou noutro lugar,
entre segredos que dizem
o teu nome.

Estendo os braços,
já nem à tua procura,
apenas na tentativa de estar menos só
num tão bom dia para ir embora.

Debruçado na janela vejo
os carros, as luzes

e sobe o eco das conversas.
Quero descer,

inclino-me próximo da queda
No espelho há um rosto
a perder-se no teu,

e penso então que este é
um bom dia para ir embora.

Porque a cidade tem ainda
as suas zonas de sombra
onde é possível um abraço,

devo acreditar que haverá
um bom dia para ficar.
 


[João Borges: Lisboa, 1.3.2011]
*é o título de uma canção e de um álbum, de 2001, dos Anathema
fotografia de Slava Mogutin