A FORTE CORRENTE
Há fases em que um artista se encontra mais frenético e é capaz de produzir em muito menos tempo muito mais trabalho. Que os dEUS regressem, menos de um ano depois de 'Keep You Close' (2011), aos discos surpreendeu muita gente. Esta banda de Antuérpia tem sido das mais popularizadas em Portugal, sem no entando se poder dizer propriamente que sejam populares. Serão, quando muito, uma espécie de banda de culto. O experimentalismo que caracteriza a sua música _e que a caracteriza cada vez mais, ao contrário do que seria de esperer_ pode muito bem ser a razão pela qual um público verdadeiramente alargado não vai aderir àquilo que eles fazem.
Há fases em que um artista se encontra mais frenético e é capaz de produzir em muito menos tempo muito mais trabalho. Que os dEUS regressem, menos de um ano depois de 'Keep You Close' (2011), aos discos surpreendeu muita gente. Esta banda de Antuérpia tem sido das mais popularizadas em Portugal, sem no entando se poder dizer propriamente que sejam populares. Serão, quando muito, uma espécie de banda de culto. O experimentalismo que caracteriza a sua música _e que a caracteriza cada vez mais, ao contrário do que seria de esperer_ pode muito bem ser a razão pela qual um público verdadeiramente alargado não vai aderir àquilo que eles fazem.
Pessoalmente, conhecia o nome, mas não era particularmente afeiçoado àquilo que estes belgas faziam, e que conhecia até 'The Ideal Crash' (1999). Recentemente, ouvi os álbuns lançados entre 2005 e 2011 e encontrei de facto aquela intensidade que, a meu ver, não era completamente conseguida nos primeiros álbuns que, apesar de conterem já embrionariamente aquilo que os posteriores revelariam, não tinham ainda o nível de perfeição que se sente, principalmente, em 'Vantage Point' (2008) e em 'Keep You Close'.
Como se disse, 'Following Sea' surgiu em tempo-record, cerca de onze meses após o álbum anterior. As duas hipóteses mais cépticas que se colocariam numa situação assim seriam que, ou este álbum seria mais do mesmo, ou que, tentando inovar, resultaria mal conseguido por falta de tempo.
Começamos a ouvir o álbum por Quatre Mains e imediatamente colocamos uma terceira hipótese, muito possível também, que é a de os dEUS estarem numa fase mais criativa, o que significa que, como se disse na introdução, possam ser capazes de produzir mais material de qualidade em menos tempo. Esta canção é a primeira em que Tom Barman canta em francês (Um pouco estranho, dado que a banda é flamenga.), e nela se notam, não só pela língua, algumas influências de Serge Gainsbourgh e mesmo de Jacques Brel: a voz cava e gutural de Barman alterna entre o canto e a declamação, num ritmo acelerado e numa tonalidade bastante sombria. Quatre Mains é de facto uma canção muito moderna, onde o experimentalismo arriscado se encontra com uma quase tendência para o hip-hop, um pouco mais clara do que quando surgia no passado (Ouça-se When She Comes Down de 'Vantage Point'.). Como seria de esperar, a letra, como aliás todas as do álbum, está bastante bem escrita, não significando a transição para o francês uma perda da destreza poética, que continua a abarrotar de ironias e de subtilezas.
Já de regresso ao inglês, segue-se Sirens, uma canção eficaz mas, quando ouvida no meio das outras, um tanto morna. Aliás, percebe-se que, neste álbum, as canções mais serenas acabam por ter um tanto menos de intensidade do que as outras, valendo mais como momentos de pausa em que o que sobressai é a letra, como vemos acontecer com esta canção, ou com Nothings, por exemplo.
Hidden Wounds, Girls Keep Drinking ou The Soft Fall retomarão, no entanto, o lanço da canção de abertura. Nestas canções, a introdução dos ritmos quase dançáveis é contraposta pela sonoridade mais rock que caracteriza os dEUS, conseguida muitas vezes através de momentos instrumentais que conferem um certo peso e uma certa invulgaridade nas composições que, de resto, são até bastante simples. Uma canção como The Soft Fall é bastante eficaz em mostrar-nos como, a partir de uma composição simples, é possível fazer uma canção complexa, onde de repente surge um solo de guitarra que parece fora do sítio, ou uma interrupção repentina, que nos obriga a dedicar redobrada atenção à música. Volte-se a referir a importância das letras, escritas com uma invulgar facilidade palavrosa, atenta aos sons, que Tom Barman é perfeitamente capaz de valorizar.
E se o álbum começa com uma canção um tanto sombria, a verdade é que, depois, tende para uma sonoridade mais solta e luminosa. E, se em Quatre Mains se sentia essa intromissão do hip-hop que já não é insólita nos dEUS, outras referências parecem surgir. Mais invulgar do que o hip-hop será por exemplo o que encontramos em Crazy About You onde a guitarra de Mauro Pawlowski, dedilhada, nos remete para um certo travo de country. A própria canção introdutória orienta-nos um pouco para a referência à chanson, que não se esgota aí: uma canção como The Give Up Gene parece ser uma interpretação muitíssimo livre dos clássicos de chanson, com a voz de Barman cantando muito próxima da declamação de um poema, mas contrabalançada pelo ritmo muito marcado e seco, cuja continuidade é quebrada pelo estalar de como que gemidos de guitarra eléctrica ou do violino de Klaas Janzoons. A bateria, reforçada pelo baixo, cria uma profundidade insuspeitada, e The Give Up Gene acaba por ser outra das melhores canções de 'Following Sea'. Logo de seguida, Fire Up The Google Beat Algorith parece ser o derradeiro delírio rap, com Tom Barman declamando com velocidade alta a letra sobre uma guitarra eléctrica exacerbada, e a batida perto de parecer desligada do resto da canção. Pelo meio, o eco do violino acrescenta uma faceta clássica a uma canção que parece estar muito à frente de si mesma e que, se tem algum defeito, é o de ser demasiado curta.
One Thing About Waves, que fecha o álbum, é uma das canções mais simples, uma espécie de clássica canção rock. No entanto, longe de desiludir quando inserida no álbum, esta canção contém um dramatismo impressionante e, sem recurso a quase nenhuma estranheza, consegue destacar-se como uma das canções mais intensas do álbum. A letra está escrita com recurso a uma imagética forte e despida e a alternância entre a voz de Barman e os solos de guitarra de Pawlowski, marcados pela bateria de Stéphane Misseghers, resultam numa ambiência incrível, a um tempo sufocante e libertadora, que se vai afastando, deixando apenas o piano, tocado por Barman, um final perfeito para o álbum.
Constituido por apenas dez canções, 'Following Sea' só pode surpreender. Num período de onze meses, os dEUS conseguiram produzir um álbum perfeitamente capaz de ombrear com os seus melhores trabalhos, produzidos por norma em dois ou três anos. Se é ou não é o melhor álbum deles, é o menos importante. 'Following Sea' (E palmas para o título, realmente belíssimo.) é um álbum intenso e denso, que perde em contenção aquilo que ganha em risco. A opção foi boa porque, em quase tudo, esse arriscar redunda em canções bem conseguidas. Este pode muito bem ser o álbum que qualquer um esperaria depois de 'Vantage Point' ou de 'Keep You Close'. É efectivamente novo, inesperado nas suas referências e conseguido nas suas experimentações. Que mais se pode pedir, na verdade?
E se o álbum começa com uma canção um tanto sombria, a verdade é que, depois, tende para uma sonoridade mais solta e luminosa. E, se em Quatre Mains se sentia essa intromissão do hip-hop que já não é insólita nos dEUS, outras referências parecem surgir. Mais invulgar do que o hip-hop será por exemplo o que encontramos em Crazy About You onde a guitarra de Mauro Pawlowski, dedilhada, nos remete para um certo travo de country. A própria canção introdutória orienta-nos um pouco para a referência à chanson, que não se esgota aí: uma canção como The Give Up Gene parece ser uma interpretação muitíssimo livre dos clássicos de chanson, com a voz de Barman cantando muito próxima da declamação de um poema, mas contrabalançada pelo ritmo muito marcado e seco, cuja continuidade é quebrada pelo estalar de como que gemidos de guitarra eléctrica ou do violino de Klaas Janzoons. A bateria, reforçada pelo baixo, cria uma profundidade insuspeitada, e The Give Up Gene acaba por ser outra das melhores canções de 'Following Sea'. Logo de seguida, Fire Up The Google Beat Algorith parece ser o derradeiro delírio rap, com Tom Barman declamando com velocidade alta a letra sobre uma guitarra eléctrica exacerbada, e a batida perto de parecer desligada do resto da canção. Pelo meio, o eco do violino acrescenta uma faceta clássica a uma canção que parece estar muito à frente de si mesma e que, se tem algum defeito, é o de ser demasiado curta.
One Thing About Waves, que fecha o álbum, é uma das canções mais simples, uma espécie de clássica canção rock. No entanto, longe de desiludir quando inserida no álbum, esta canção contém um dramatismo impressionante e, sem recurso a quase nenhuma estranheza, consegue destacar-se como uma das canções mais intensas do álbum. A letra está escrita com recurso a uma imagética forte e despida e a alternância entre a voz de Barman e os solos de guitarra de Pawlowski, marcados pela bateria de Stéphane Misseghers, resultam numa ambiência incrível, a um tempo sufocante e libertadora, que se vai afastando, deixando apenas o piano, tocado por Barman, um final perfeito para o álbum.
Constituido por apenas dez canções, 'Following Sea' só pode surpreender. Num período de onze meses, os dEUS conseguiram produzir um álbum perfeitamente capaz de ombrear com os seus melhores trabalhos, produzidos por norma em dois ou três anos. Se é ou não é o melhor álbum deles, é o menos importante. 'Following Sea' (E palmas para o título, realmente belíssimo.) é um álbum intenso e denso, que perde em contenção aquilo que ganha em risco. A opção foi boa porque, em quase tudo, esse arriscar redunda em canções bem conseguidas. Este pode muito bem ser o álbum que qualquer um esperaria depois de 'Vantage Point' ou de 'Keep You Close'. É efectivamente novo, inesperado nas suas referências e conseguido nas suas experimentações. Que mais se pode pedir, na verdade?
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