Há muitos anos numa feira de loiça,
rosa ramalho deu-me um dos seus bonecos
de barro, e contou-me nesse dia a uma amiga
que me acompanhava uma história qualquer
de discussão e zanga: -- e sabe o que eu lhes disse,
menina ? um "caralhinho !" a frase foi
sublinhada com um manguito engelhado
e um riso divertido de barcelos.
passou muito tempo, mas lembro-me, rosa
ramalho recomendou-me que metesse
o boneco de barro cru, modelado de fresco,
no forno na cozinha, assim fiz e aquelas
formas húmidas explodiram pouco
depois, "-- o boneco
foi pró boneco" repetiam a rir-se
outras pessoas, pequeno monstro
mágico, das suas metamorfoses
ingénuas, fez-se pó, é o destino dos monstros
populares e dos outros, no
barro de que são feitos, a
minha amiga casou e mudou de cidade,
já passou mesmo muito tempo.
eu fui à minha vida, entretanto a rosa
ramalho morreu. tenho a certeza
de que ainda discute exclamando
" -- sabe que mais? -- um caralhinho !"
e que sabia o que ia acontecer
quando me disse que o boneco tinha
de ir ao forno. quem faz, desfaz.
Vasco Graça Moura
Poemas com Pessoas
1997, ed. Quetzal
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