Actualmente, a Arquitectura Japonesa
contemporânea é apreciada e estudada um pouco por todo o mundo, particularmente
através da obras de Kenzo Tange, Tadao Ando, Kazuyo Sejima, Ryue Nishizawa ou
Sou Fujimoto, alguns dos quais inclusivamente laureados com o Prémio Pritzker.
Mas será talvez justo dizer que o grande impulsionador da Arquitectura
contemporânea japonesa terá sido o Terramoto de Hanshin-Awaki em 1995. A partir
dele, coube aos Arquitectos trabalhar sobre determinadas necessidades sociais,
que afectavam directamente a construção, e que, depois do terramoto, ficavam em
aberto. É a partir daqui que se retomam alguns ideais modernistas, ligados à
simplicidade, à funcionalidade, ao despojamento e a uma forte sensibilidade
cultural, acrescidas da vontade dos arquitectos de pensar ou repensar as
questões da habitação e do próprio conceito de Arquitectura.
Sou Fujimoto tem uma obra fortemente
alicerçada sobre a vontade de pensar a habitação e a construção, como, aliás,
percebemos sem dificuldades pela leitura de ''Primitive Future'', o ensaio
escrito pelo próprio e que melhor aborda e analisa esta obra. Questões como a
noção de público e privado, da escala, de uma relação do novo com o tradicional
e do moderno com o ancestral, e ainda das possibilidades abertas pelas noções
mais básicas de habitação têm sido das mais decisivas para o percurso de Sou
Fujimoto, e também das que têm feito desse percurso um bastante peculiar mesmo
no contexto da nova Arquitectura japonesa.
Um dos vários exemplos do cariz
reflexivo e insólito do trabalho de Sou Fujimoto é a Casa O. A encomenda pedia
uma casa de fim-de-semana para um casal, em Tateyama, na costa sudeste do
Japão, a duas horas de Tóquio. O terreno é em frente do mar, numa formação
rochosa.
Vista em planta, a solução criada por
Fugimoto para esta proposta, parece ser construída através da recriação dos
galhos de uma árvore, sendo vivida como um único espaço, contínuo, que se
divide sem que essas divisões sejam marcadas de forma rígida ou abrupta, ou
seja, em detrimento da fluidez e liberdade do espaço, Fugimoto abdica de
paredes e portas no interior. As separações necessárias para a criação dos
vários espaços exigidos por uma casa são então conseguidos através da própria
morfologia do projecto, com as suas reentrâncias, esquinas e ramificações. A
propósito desta casa, Fujimoto fala de uma 'Arquitectura de distâncias'. Este
conceito torna-se visível uma vez que observemos mais atentamente a casa, e
percebamos que, através da utilização do betão, por um lado, e do vidro, por
outro, ao percorrer a casa somos levados a diferentes relações com o espaço
exterior, como se, de acordo com os diferentes pontos da casa, dentro do mesmo
espaço pudéssemos estar ora perto ora longe dos espaços que a rodeiam. Por isso
nos parece efectivamente natural que o arquitecto diga que 'Criar Arquitectura
não é mais que criar várias distâncias'.
O processo criativo atravessou várias
fases até chegar á sua versão final, mas é também certo que a estratégia
pensada por Fujimoto para a Casa O parece ter estado definida desde a primeira
ideia conhecida, em que um só segmento rectangular é dobrado e torcido, de
maneira a suscitar já uma variedade de espaços e já organizados de forma
fluida. A ideia vai-se tornando mais complexa e mais ramificada, o que nos
mostra a vontade de Fujimoto de atender às contingências do terreno. Assim,
manipulando mais atentamente a forma original, o arquitecto consegue criar
momentos de intimidade/ privacidade, e outros em que o habitante pode criar um
contacto mais intenso com o Oceano Pacífico ou com as formações rochosas sobre
as quais a casa está construída. Aliás, o terreno foi também decisivo para
várias das opções de Fujimoto para a Casa O, uma vez que outra das suas preocupações
foi a da integração da casa com esse terreno. Assim, sobre a formação rochosa,
o que Fujimoto implanta é uma formação monolítica irregular, em que um ponto de
entrada não é claro. As paredes de betão serão lisas e polidas no interior, mas
no exterior mantém uma textura rugosa e quase tosca, precisamente no sentido de
minimizar a diferença entre o betão e as rochas. Mas uma vez dentro da casa, os
grandes painéis de vidro dão sobre o mar, funcionando como uma explosão, e,
dada a colocação destes painéis no esquema da casa, encontram-se várias vistas
do mesmo mar, indo assim a casa de encontro à ideia de Fujimoto de 'fazer uma
casa com vários oceanos'.
No fundo, muitos dos princípios
teóricos que têm definido o percurso de Sou Fujimoto são evidentes na
estratégia e na concepção da Casa O. A sua preocupação com a ancestralidade,
ligada à caverna ou à gruta, ajuda-nos a compreender a disposição dos materiais
na casa; a alusão aos galhos das árvores reforça a relação que este arquitecto
tanto tem explorado com a Natureza; e o tratamento dessa ideia representa mais
uma hipótese para as novas abordagens da geometria que Fujimoto já vem operando
em muitos dos seus projectos.
Mas, acima de tudo, a Casa O
mostra-nos que como é, de facto, construir de uma forma absolutamente moderna
recorrendo apenas aos conceitos mais primários, abrindo-se, assim, caminho para
esse 'futuro primitivo' que Fujimoto tem vindo a desenvolver.
BIBLIOGRAFIA
''Parallel Nippon – Arquitetura Contemporânea Japonesa
(1996-2006)'' (Catálogo da exposição), São Paulo, Dezembro de 2010
El Croquis, nº 151, 'Sou Fujimoto'
C+A Magazine, nº 12, 'Sou Fujomoto: House O'
Fujimoto, Sou: Primitive Future, 2008, Inax Publishing
1 comentário:
Exactamente!!! O Futuro Primitivo!!!Acho muito inteligente o conceito de Sou Fujimoto para a "House O". É uma grande aposta da modernidade encontrar no primordial, no primitivo, a essência das linhas puras, a consciência dos espaços. Gostei.!!!
Enviar um comentário