quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Fragmentos de ''Solidão''




Tantas lágrimas no chão, que ninguém enxuga! Tantas!
Quem as chorou? Fui eu, sim, fui eu...
Dói-me o coração. Sinto nele uma opressão, uma amargura solta e grande, sem fim, só de olhar para este chão molhado.
São as minhas lágrimas... Eu chorei, estou-o vendo. O meu coração chora sempre, sempre, dentro de mim, até inconscientemente!
Esta vista do chão líquido, com as luzes fixas nele magoa-me. E desperta-me. Fala-me. Quem chorou? Quem podia ter chorado, senão eu? Ninguém tinha a minha fonte de lágrimas em si!
A este chão tão húmido há-de haver quem chame espelho, lago e rio... Quem lhe dê bonitos nomes. E lhe ligue ideias festivas. Eu só lhe chamo chão molhado. Molhado de lágrimas! Chão sombrio, não de luz.

[...]

Flutuamos sempre ao sabor das boas e das más impressões...
A minha doce impressão desta tarde! Um desejo quase sem fundo, inaplicado, de bondade e de ternura.
Pego nesta revista francesa, sem a mínima vontade de a ler. Olho-a e sinto um instintivo recuo, um choque. Inveja... Apesar de me sentir apaziguado. Inveja de quê? De tudo o que eu julgo ter sido dado aos outros! Do que nunca ninguém me concedeu ou me permitiu; a agitação, a posse, a vida... Tudo. Muitíssima coisa!
Existência monótona, monótona... Cai-lhe hoje em cima a doçura de uma tarde destas. Mas nunca a perfeita paz.

Irene Lisboa
Solidão
1936, ed. Seara Nova
pintura de Giulio Aristide Sartorio

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