sábado, 12 de novembro de 2011

Sobre Gustav Eiffel

BREVE CONTEXTO HISTÓRICO

A expansão mundial da Revolução Industrial, que tivera início ainda no século XVIII no Reino Unido, mas que tem maior expoente ao longo do século XIX, veio alterar todo um modo de vida, exigindo que a sociedade acompanhasse os fortes avanços tecnológicos. No que à Construção e à Arquitectura diz respeito, esta questão vem gerar um certo caos: os arquitectos dedicam-se na sua esmagadora maioria a uma construção de certo ponto de vista académica, que passa pelo segundo neo-clássico, numa primeira fase, e depois, pelo revivalismo das ordens medievais. Estas Arquitecturas, neo-clássica e romântica (dentro da qual encontramos o neo-românico, o neo-gótico e o neo-bizantino) parecia ser consonante com uma série de conceitos culturais, acompanhando com o pensamento de alguns filósofos cuevos ou outros, revisitados, sendo, por isso, uma espécie de manifestação de correntes de pensamento como o Individualismo, o Subjectivismo, o Sentimentalismo e até o Nacionalismo, que, mesmo assim, conhece presença mais plena na Literatura.
No entanto, a par destes modelos que, para todos os efeitos, ainda eram exclusivos de uma elite que tinha acesso a uma formação letrada, a Revolução Industrial vem dar origem a uma série de movimentos que em muito estão ligados á classe trabalhadora. O pensamento filosófico de Adam Smith, que incide sobre a Ciência Económica, explora o papel social tanto dos patrões como dos trabalhadores. O aparecimento das máquinas a vapor vem alterar redondamente a estruturação do trabalho que, até aí, era essencialmente artesanal. Assim começam a surgir as grandes fábricas, que dão origem a grandes movimentos de êxodo rural, havendo deslocações em massa para as capitais, de famílias inteiras que procuram trabalho. No entanto, as condições de trabalho eram de todo precárias, com cerca de 10 horas de trabalho diário, parcamente remunerado e com direito a casas pobres, pequenas e sem condições. Devido a estas cambiantes, proliferam pela Europa vários movimentos ligados à classe trabalhadora, como é o caso do Movimento Ludista, liderado por Ned Ludd, o movimento Cartista, cuja organização funcionava como uma espécie ainda embrionária de Sindicato, e que dariam origem, pouco depois, às trade-unions.
Ainda antes de 1830, ano em que se considera que a Revolução Industrial alastra para fora da Europa, já estavam definidos grandes centros urbanos e populacionais europeus, exemplo de Paris, Marselha, Londres, Berlim, de Cracóvia, Varsóvia, Frankfurt, entre várias outras, todas condicionadas por diferentes contingentes, como a oferta de emprego, ligada estreitamente à existência de fábricas, às linhas férreas onde se desenvolvia a metalurgia, e também aos portos marítimos.
Precisamente o facto de ficarem definidos no mapa de Europa vários polos onde crescem as exigências tanto da indústria como as habitacionais, a Arquitectura revivalista mostra-se, de muitos pontos de vista, incapaz de satisfazer essas exigências, uma vez que essencialmente estes arquitectos projectavam palacetes e outros edifícios destinados a uma camada social mais abastada. Assim, para responder às exigências da Revolução Industrial, surge a corrente que ficaria conhecida como Arquitectura do Ferro e do Vidro, e que é construída maioritariamente por Engenheiros Civis, que tinham um conhecimento mais abrangente das estruturas construtivas, o que favoreceria a construção em altura, e dos materiais desenvolvidos pela indústria, como era o caso do ferro e do vidro, evidentemente, mas também do tijolo, do aço e do cimento. Estes conhecimentos tornavam os Engenheiros mais aptos que os Arquitectos para resolver problemas como a necessidade de resistência ao fogo, eminente nas fábricas, problemas de escala, uma vez que estes edifícios teriam que albergar por vezes centenas de pessoas e também problemas ligados à própria concepção dos edifícios, como as coberturas, as aberturas e os esqueletos -que, a certa altura, começam a ficar à mostra-, o que, em último caso, criaria uma estética totalmente nova e concreta.


GUSTAVE EIFFEL: NOTA BIOGRÁFICA

Alexandre Gustave Eiffel nasce em Dijon, França, a 15 de Dezembro de 1832, em plena era da Revolução Industrial. Desde cedo tem contacto com a Engenharia Química, através de dois familiares que trabalhavam nessa área. Depois da formação básica no Colégio de Santa Bárbara em Paris, aos 22 anos, Eiffel terminou o seu curso de Engenharia Civil e, pouco tempo depois, estava já empregado numa empresa belga de construção de caminhos-de-ferro. Dez anos depois, no entanto, decide especializar-se na construção de estruturas metálicas, que marcariam definitivamente as suas obras mais conhecidas. Num dos seus primeiros projectos ainda nos caminhos-de-ferro conheceu Charles Nepveu, um outro engenheiro civil, que influencia bastante o trabalho de Eiffel.
Ao longo da sua vida, Gustav Eiffel viveu brevemente em Barcelinhos, Portugal, o que terá tido alguma influência no facto da sua firma ter concretizado vários projectos em Portugal, de que se destaca a Ponte D. Maria Pia (1876-77) no Porto ou a Ponte Dupla de Viana do Castelo (1878).
Gustav Eiffel faleceu em Paris, a 27 de Dezembro de 1923.


ALGUNS ASPECTOS DA OBRA

Os estudos aprofundados a que Gustav Eiffel se dedicou, particularmente durante os anos da sua especialização em estruturas metálicas foram decisivos para as várias obras que haveria de erigir. Ele aliava a análise matemática que tinha aprendido no curso de Engenharia à análise dos coeficientes de resistência aerodinâmica (que determina a resistência de uma estrutura quando sujeita ao movimento de um elemento fluido, como a água ou o ar) que seriam decisivos para a concepção técnica das várias pontes que Eiffel projectou. Outras experiências que muito interessaram a Eiffel estavam relacionadas com a utilização de caixões de ar comprimido nas estruturas das pontes, o que se pode considerar um grande avanço na área da aerodinâmica. Estas experiências, que incluíam ainda a utilização de túneis de vento, foram sendo desenvolvidas por Eiffel durante a sua carreira profissional, e seriam continuadas pelos Dezoito de Gottingen, um grupo de dezoito cientistas atómicos alemães. Mesmo tendo-se tornado eventualmente um Engenheiro bastante requisitado, Gustav Eiffel nunca chegou a abandonar as suas pesquisas e experimentações, e acabou por, ao longo da sua carreira, introduzir várias outras soluções: é o caso da estrutura em rede a que Eiffel sempre ficaria associado, uma estrutura complexa e robusta, para poder aguentar a força do vento, mas de aspecto elegante na sua filigrana delicada, o uso do ferro forjado, que aumentava a resistência dessa mesma estrutura ao vento, e é ainda o caso de uma solução prática para o acto de construção propriamente dito, o das prensas hidráulicas que passaram a ser utilizadas pelos operários para manipularem as estruturas metálicas debaixo de água.

Á ponte sobre o Rio Garona, em Bordéus, pode ser considerada a primeira obra relevante de Gustav Eiffel, em que o Engenheiro tentava já materializar algumas das suas experiências na estrutura construtiva. Esta obra data de 1858, e, a partir dela, Eiffel conseguiria uma série de outras encomendas, na Europa, particularmente em França e em Portugal, mas também nos Estados Unidos. Aqui encontramos mais três pontes, cada uma delas reflectindo a análise quase obsessiva das estruturas e das particularidades do ferro, análise essa traçada a partir das experiências acima referidas. Entre estas obras, encontram-se as pontes de Sioule (1867) e de Garabit (1882), em França, e o projecto da Ponte D. Maria Pia (1876-77), que ligava e continua a ligar, o Porto a Vila Nova de Gaia; sendo nestas duas últimas que as marcas quer técnicas quer estéticas -sendo que, muitas vezes, as duas se fundem e se geram uma à outra- de Eiffel se evidenciam mais.



Em 1878 Gustav Eiffel projecta outra obra que se tornaria emblemática no contexto do seu trabalho, mas também em todo o contexto da época, tanto pelo edifício em si, como pela importância cultural que esse edifício viria a ter. Trata-se do Pavilhão para a Exposição Internacional de Paris, um edifício com cerca de 300 metros de altura. A tendência da arquitectura para a verticalidade fica perfeitamente expressa nesta obra.
Tanto a profusa procura de engenheiros para construir pontes como a tendência, nos edifícios, para a verticalidade, de alguma forma parecem estar umbilicalmente ligados às mutações sociais e culturais operadas pela Revolução Industrial. Da manufactura artesanal, passa-se à produção em série e das fábricas saem produtos que precisam de ser transportados, o que exige um alargamento e um melhoramento das linhas ferroviárias, alargamento esse que só é concretizável com a construção de pontes que liguem lugares separados pelos rios. Além disso, a mobilização em massa de pessoas para os grandes centros urbanos também aumenta a necessidade de apostar nos caminhos-de-ferro. A ideia da verticalidade surge quase imediatamente com o alargamento das escalas dos edifícios: o eclodir das grandes fábricas que, assim, possam recolher mais operários, acaba por levar os construtores a pensarem em edifícios altos, que possam organizar o espaço das fábricas, ocupando, assim, menos área, mas utilizando-a de uma forma mais intensa.
Um caso excepcional na obra de Eiffel é o da Estátua da Liberdade, oferecida pela França aos Estados Unidos da América, e cuja estrutura havia sido desenhada por Eiffel.
A estátua propriamente dita, caracterizada por um rigor absolutamente neo-clássico, da autoria de Frédéric Bartholdi, seria um elemento simbólico acima de tudo, mas, dadas as suas dimensões, desejar-se-ia que a estátua fosse percorrível por dentro. O trabalho que compreender como sustentar a estátua e como fazê-la capaz de ter qualidades espaciais foi deixado para Gustav.

1889 é a data de conclusão de outra obra igualmente emblemática de Gustav Eiffel, a que receberia o seu nome: trata-se da Torre Eiffel, em Paris, cuja estrutura metálica, considerada extremamente ousada para a época, em termos estéticos, ainda que em termos técnicos, ela estivesse perfeitamente inserida na evolução das pesquisas do seu autor. O aspecto visual da torre mobilizou alguns intelectuais da época, que tentaram, liderados pelo escritor Guy de Maupassant, impedir a construção da Torre, sem sucesso. As experiências com o coeficiente de resistência aerodinâmica fazem-se sentir ainda nesta obra, para que parecem confluir também uma série de outras ideias já dispersamente construídas no passado.
Estas duas últimas obras que destaco parecem dar-nos nota de um aspecto tutelar da obra de Gustav Eiffel e que, em última análise, é extensível um pouco ao trabalho dos Engenheiros Civis desta época: é que, de facto, Eiffel trabalha acima de tudo sobre a estrutura. Ele interessa-se mais pelo desenho das estruturas, pela sua compreensão e pela sua renovação, entendendo-a quer como elemento em si, como acontece com as pontes, quer como elemento gerador de um espaço, como acontece com o Pavilhão da Exposição Internacional ou um pouco até com a Estátua da Liberdade, comprovando, assim, que a inovação e o desenvolvimento estruturais podem ser uma forma eficaz de gerar uma nova concepção de espaço e uma nova percepção dele. Assim sendo, a obra de Gustav Eiffel parece ser especificamente do domínio da engenharia de estruturas, uma forma racional e desenvolta de lidar com as possibilidades e as exigências abertas pela Revolução Industrial, não sendo, portanto, uma forma de tentar compensar a falta de capacidade de alguns Arquitectos da época para lidar com essas possibilidades e essas exigências.

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