A expansão mundial da
Revolução Industrial, que tivera início ainda no século XVIII no Reino Unido,
mas que tem maior expoente ao longo do século XIX, veio alterar todo um modo de
vida, exigindo que a sociedade acompanhasse os fortes avanços tecnológicos. No
que à Construção e à Arquitectura diz respeito, esta questão vem gerar um certo
caos: os arquitectos dedicam-se na sua esmagadora maioria a uma construção de
certo ponto de vista académica, que passa pelo segundo neo-clássico, numa
primeira fase, e depois, pelo revivalismo das ordens medievais. Estas
Arquitecturas, neo-clássica e romântica (dentro da qual encontramos o
neo-românico, o neo-gótico e o neo-bizantino) parecia ser consonante com uma
série de conceitos culturais, acompanhando com o pensamento de alguns filósofos
cuevos ou outros, revisitados, sendo, por isso, uma espécie de manifestação de
correntes de pensamento como o Individualismo, o Subjectivismo, o
Sentimentalismo e até o Nacionalismo, que, mesmo assim, conhece presença mais
plena na Literatura.
No entanto, a par destes
modelos que, para todos os efeitos, ainda eram exclusivos de uma elite que
tinha acesso a uma formação letrada, a Revolução Industrial vem dar origem a
uma série de movimentos que em muito estão ligados á classe trabalhadora. O
pensamento filosófico de Adam Smith, que incide sobre a Ciência Económica,
explora o papel social tanto dos patrões como dos trabalhadores. O aparecimento
das máquinas a vapor vem alterar redondamente a estruturação do trabalho que,
até aí, era essencialmente artesanal. Assim começam a surgir as grandes
fábricas, que dão origem a grandes movimentos de êxodo rural, havendo deslocações
em massa para as capitais, de famílias inteiras que procuram trabalho. No
entanto, as condições de trabalho eram de todo precárias, com cerca de 10 horas
de trabalho diário, parcamente remunerado e com direito a casas pobres,
pequenas e sem condições. Devido a estas cambiantes, proliferam pela Europa
vários movimentos ligados à classe trabalhadora, como é o caso do Movimento
Ludista, liderado por Ned Ludd, o movimento Cartista, cuja organização
funcionava como uma espécie ainda embrionária de Sindicato, e que dariam
origem, pouco depois, às trade-unions.
Ainda antes de 1830, ano em
que se considera que a Revolução Industrial alastra para fora da Europa, já
estavam definidos grandes centros urbanos e populacionais europeus, exemplo de
Paris, Marselha, Londres, Berlim, de Cracóvia, Varsóvia, Frankfurt, entre
várias outras, todas condicionadas por diferentes contingentes, como a oferta
de emprego, ligada estreitamente à existência de fábricas, às linhas férreas
onde se desenvolvia a metalurgia, e também aos portos marítimos.
Precisamente o facto de
ficarem definidos no mapa de Europa vários polos onde crescem as exigências
tanto da indústria como as habitacionais, a Arquitectura revivalista mostra-se,
de muitos pontos de vista, incapaz de satisfazer essas exigências, uma vez que
essencialmente estes arquitectos projectavam palacetes e outros edifícios
destinados a uma camada social mais abastada. Assim, para responder às
exigências da Revolução Industrial, surge a corrente que ficaria conhecida como
Arquitectura do Ferro e do Vidro, e que é construída maioritariamente por
Engenheiros Civis, que tinham um conhecimento mais abrangente das estruturas
construtivas, o que favoreceria a construção em altura, e dos materiais
desenvolvidos pela indústria, como era o caso do ferro e do vidro,
evidentemente, mas também do tijolo, do aço e do cimento. Estes conhecimentos
tornavam os Engenheiros mais aptos que os Arquitectos para resolver problemas
como a necessidade de resistência ao fogo, eminente nas fábricas, problemas de
escala, uma vez que estes edifícios teriam que albergar por vezes centenas de
pessoas e também problemas ligados à própria concepção dos edifícios, como as
coberturas, as aberturas e os esqueletos -que, a certa altura, começam a ficar
à mostra-, o que, em último caso, criaria uma estética totalmente nova e
concreta.
GUSTAVE EIFFEL: NOTA BIOGRÁFICA
Alexandre Gustave Eiffel nasce
em Dijon, França, a 15 de Dezembro de 1832, em plena era da Revolução
Industrial. Desde cedo tem contacto com a Engenharia Química, através de dois
familiares que trabalhavam nessa área. Depois da formação básica no Colégio de
Santa Bárbara em Paris, aos 22 anos, Eiffel terminou o seu curso de Engenharia
Civil e, pouco tempo depois, estava já empregado numa empresa belga de construção
de caminhos-de-ferro. Dez anos depois, no entanto, decide especializar-se na
construção de estruturas metálicas, que marcariam definitivamente as suas obras
mais conhecidas. Num dos seus primeiros projectos ainda nos caminhos-de-ferro
conheceu Charles Nepveu, um outro engenheiro civil, que influencia bastante o
trabalho de Eiffel.
Ao longo da sua vida, Gustav
Eiffel viveu brevemente em Barcelinhos, Portugal, o que terá tido alguma
influência no facto da sua firma ter concretizado vários projectos em Portugal,
de que se destaca a Ponte D. Maria Pia (1876-77) no Porto ou a Ponte Dupla de
Viana do Castelo (1878).
Gustav Eiffel faleceu em
Paris, a 27 de Dezembro de 1923.
ALGUNS ASPECTOS DA OBRA
Os estudos aprofundados a que
Gustav Eiffel se dedicou, particularmente durante os anos da sua especialização
em estruturas metálicas foram decisivos para as várias obras que haveria de
erigir. Ele aliava a análise matemática que tinha aprendido no curso de
Engenharia à análise dos coeficientes de resistência aerodinâmica (que
determina a resistência de uma estrutura quando sujeita ao movimento de um
elemento fluido, como a água ou o ar) que seriam decisivos para a concepção
técnica das várias pontes que Eiffel projectou. Outras experiências que muito
interessaram a Eiffel estavam relacionadas com a utilização de caixões de ar
comprimido nas estruturas das pontes, o que se pode considerar um grande avanço
na área da aerodinâmica. Estas experiências, que incluíam ainda a utilização de
túneis de vento, foram sendo desenvolvidas por Eiffel durante a sua carreira
profissional, e seriam continuadas pelos Dezoito
de Gottingen, um grupo de dezoito cientistas atómicos alemães. Mesmo
tendo-se tornado eventualmente um Engenheiro bastante requisitado, Gustav
Eiffel nunca chegou a abandonar as suas pesquisas e experimentações, e acabou
por, ao longo da sua carreira, introduzir várias outras soluções: é o caso da
estrutura em rede a que Eiffel sempre ficaria associado, uma estrutura complexa
e robusta, para poder aguentar a força do vento, mas de aspecto elegante na sua
filigrana delicada, o uso do ferro forjado, que aumentava a resistência dessa
mesma estrutura ao vento, e é ainda o caso de uma solução prática para o acto
de construção propriamente dito, o das prensas hidráulicas que passaram a ser
utilizadas pelos operários para manipularem as estruturas metálicas debaixo de
água.
Á ponte sobre o Rio Garona, em
Bordéus, pode ser considerada a primeira obra relevante de Gustav Eiffel, em
que o Engenheiro tentava já materializar algumas das suas experiências na
estrutura construtiva. Esta obra data de 1858, e, a partir dela, Eiffel
conseguiria uma série de outras encomendas, na Europa, particularmente em
França e em Portugal, mas também nos Estados Unidos. Aqui encontramos mais três
pontes, cada uma delas reflectindo a análise quase obsessiva das estruturas e
das particularidades do ferro, análise essa traçada a partir das experiências
acima referidas. Entre estas obras, encontram-se as pontes de Sioule (1867) e
de Garabit (1882), em França, e o projecto da Ponte D. Maria Pia (1876-77), que
ligava e continua a ligar, o Porto a Vila Nova de Gaia; sendo nestas duas
últimas que as marcas quer técnicas quer estéticas -sendo que, muitas vezes, as
duas se fundem e se geram uma à outra- de Eiffel se evidenciam mais.
Em 1878 Gustav Eiffel projecta
outra obra que se tornaria emblemática no contexto do seu trabalho, mas também
em todo o contexto da época, tanto pelo edifício em si, como pela importância
cultural que esse edifício viria a ter. Trata-se do Pavilhão para a Exposição
Internacional de Paris, um edifício com cerca de 300 metros de altura. A
tendência da arquitectura para a verticalidade fica perfeitamente expressa
nesta obra.
Tanto a profusa procura de
engenheiros para construir pontes como a tendência, nos edifícios, para a
verticalidade, de alguma forma parecem estar umbilicalmente ligados às mutações
sociais e culturais operadas pela Revolução Industrial. Da manufactura
artesanal, passa-se à produção em série e das fábricas saem produtos que
precisam de ser transportados, o que exige um alargamento e um melhoramento das
linhas ferroviárias, alargamento esse que só é concretizável com a construção
de pontes que liguem lugares separados pelos rios. Além disso, a mobilização em
massa de pessoas para os grandes centros urbanos também aumenta a necessidade
de apostar nos caminhos-de-ferro. A ideia da verticalidade surge quase
imediatamente com o alargamento das escalas dos edifícios: o eclodir das
grandes fábricas que, assim, possam recolher mais operários, acaba por levar os
construtores a pensarem em edifícios altos, que possam organizar o espaço das
fábricas, ocupando, assim, menos área, mas utilizando-a de uma forma mais
intensa.
Um caso excepcional na obra de
Eiffel é o da Estátua da Liberdade, oferecida pela França aos Estados Unidos da
América, e cuja estrutura havia sido desenhada por Eiffel.
A estátua propriamente dita,
caracterizada por um rigor absolutamente neo-clássico, da autoria de Frédéric
Bartholdi, seria um elemento simbólico acima de tudo, mas, dadas as suas
dimensões, desejar-se-ia que a estátua fosse percorrível por dentro. O trabalho
que compreender como sustentar a estátua e como fazê-la capaz de ter qualidades
espaciais foi deixado para Gustav.
1889 é a data de conclusão de
outra obra igualmente emblemática de Gustav Eiffel, a que receberia o seu nome:
trata-se da Torre Eiffel, em Paris, cuja estrutura metálica, considerada
extremamente ousada para a época, em termos estéticos, ainda que em termos
técnicos, ela estivesse perfeitamente inserida na evolução das pesquisas do seu
autor. O aspecto visual da torre mobilizou alguns intelectuais da época, que
tentaram, liderados pelo escritor Guy de Maupassant, impedir a construção da
Torre, sem sucesso. As experiências com o coeficiente de resistência
aerodinâmica fazem-se sentir ainda nesta obra, para que parecem confluir também
uma série de outras ideias já dispersamente construídas no passado.
Estas duas últimas obras que
destaco parecem dar-nos nota de um aspecto tutelar da obra de Gustav Eiffel e
que, em última análise, é extensível um pouco ao trabalho dos Engenheiros Civis
desta época: é que, de facto, Eiffel trabalha acima de tudo sobre a estrutura.
Ele interessa-se mais pelo desenho das estruturas, pela sua compreensão e pela
sua renovação, entendendo-a quer como elemento em si, como acontece com as
pontes, quer como elemento gerador de um espaço, como acontece com o Pavilhão
da Exposição Internacional ou um pouco até com a Estátua da Liberdade,
comprovando, assim, que a inovação e o desenvolvimento estruturais podem ser
uma forma eficaz de gerar uma nova concepção de espaço e uma nova percepção
dele. Assim sendo, a obra de Gustav Eiffel parece ser especificamente do
domínio da engenharia de estruturas, uma forma racional e desenvolta de lidar
com as possibilidades e as exigências abertas pela Revolução Industrial, não
sendo, portanto, uma forma de tentar compensar a falta de capacidade de alguns
Arquitectos da época para lidar com essas possibilidades e essas exigências.
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