sábado, 5 de novembro de 2011

Arco, Abóbada, Cúpula: Algumas Notas sobre o Círculo e a Esfera na Arquitectura Sacra



Arco, Abóbada, Cúpula


Como escreve C.G. Jung, Um símbolo é sempre mais do que podemos entender à primeira vista (...) permanecemos com o símbolo porque promete mais do que revela.
O arco, a cúpula e a abóbada foram elementos que, ainda que já antes encontrados, conheceram na Arquitectura da Antiguidade Clássica algumas das suas primeiras utilizações marcantes, de que é exemplo a cúpula do Panteão de Roma, construída a 27 a.C.. Mas estes três elementos parecem ter entre si uma mesma orientação estética que é a procura da inclusão do círculo ou do semi-círculo na Arquitectura. Ainda que estes elementos se encontrem nas mais variadas tipologias de Arquitectura, aquela onde parecem ser usados com mais intensidade e frequência é na Arquitectura sacra. [Os símbolos] encontram-se principalmente nas religiões (...) o crente julga que são de origem divina escreve Yvette K. Centeno no seu ensaio 'O Símbolo, Forma Impura'. A isto podemos acrescentar a ideia do Padre António Vieira de que a eternidade e o desejo são duas coisas tão parecidas que na Natureza se representam da mesma forma: um O, ou seja, podemos facilmente associar o círculo a deus, a um símbolo de deus.
Assim, e contrapondo esta ideia à de Jung, não será difícil compreender por que a Arquitectura religiosa tanto privilegiou o círculo na construção das igrejas, fazendo com que a própria concepção do edifício fosse já uma homenagem ao deus que representavam, abrindo assim caminho, de certa forma, ao espaço de devaneio (...) de comunicação entre os homens do sonho de que falava Bachelard.
Talvez isso explique por que houve a necessidade de que a cúpula da Basílica de S. Pedro, projectada por Miguel Ângelo, fosse maior que a de Brunelleschi para a  Basílica de Santa Maria del Fiore; já que, entendendo a cúpula como materialização desse símbolo perfeito de deus, a construção dela seria, de certa forma, aspirar ao absoluto.
Paralelamente ao lado simbólico destes elementos, há ainda a questão técnica que eles representam; e a sua utilização ora funciona como sustentação dos edifícios, como acontece com as estruturas de colunatas e arcadas, ora vem espicaçar a necessidade de novas pesquisas e novas experimentações que permitam construir mais livremente, como acontece com os tambores desenvolvidos para que fosse possível erigirem-se as grandes cúpulas. Muitas destas técnicas eram já dominadas na Grécia e na Roma Antigas, e o seu estudo interessou aos arquitectos do Renascimento, conseguindo-se, então, essa construção menos limitada.



Arco

O uso do arco na Arquitectura é relativamente vulgar, uma vez que as suas características estruturais permitem que receba e distribua a força de elementos muito pesados se aliam a características estéticas a que os arquitectos têm sido sensíveis desde a Antiguidade Clássica e até anteriormente, se considerarmos que na construção Pré-História a forma circular era já utilizada, e que encontramos arcadas em ruínas de civilizações como a Babilónia ou a Assíria.



Seriam, no entanto, os romanos, a utilizar mais plenamente as possibilidades do arco, uma vez que, com eles criando altos vãos, conseguiam construir edifícios de escala monumental, que, de outra forma, seria difícil conseguir. O arco de volta perfeita surge aqui, um semicírculo, que seria reutilizado na Idade Média e, principalmente, no Renascimento.
O arco de volta perfeita é depois da predilecção dos Arquitectos do Românico, que usam grandes arcadas para demarcar, nas igrejas, a nave principal das naves laterais.
Uma estética da horizontalidade seria depois, no Gótico, substituída pela da verticalidade, e então, aliado ao aparecimento das abóbadas de cruzaria, surge o uso do arco quebrado, que os sírios já haviam utilizado, e que mais facilmente se enquadrava na sugestão de elevação divina que a Arquitectura sacra gótica pretendia ser.

Já no Renascimento, o tratadista Leon Batista Alberti demonstra o seu interesse pelo uso do arco quando projecta uma ábside para a Igreja de San Martino de Gangalandi. Sobre isto, diz-nos Domingos Tavares: Do ponto de vista da forma a solução nada tem de novo. (...) O que é novo para a época é a reutilização da ábside associada ao  espaço rectangular axial, com valor de chamada a um ponto de referência principal, ou seja, a resposta que Alberti encontrou para clarificar o protagonismo daquele  espaço a ser adossado à igreja preexistente foi fazer desse espaço uma ábside, criando na parede da igreja um arco, dentro do qual ficaria um altar, ou seja, o lugar de onde seria lido o texto bíblico. Com a redescoberta e o estudo contínuo dos Arquitectos e dos restantes Artistas sobre a Antiguidade Clássica, torna-se difícil encontrar um edifício renascentista que não inclua arcos.



Abóbada

As primeiras tentativas de edificação de abóbadas remontam ao ano 6000 a.C., ou seja, durante o período neolítico, em Khirokitia, situada no Chile.


Essas primeiras experiências, que também podem ser encontradas no Norte do Iraque ou em Creta, seriam retomadas no Império Romano, onde encontramos, por exemplo, as Termas de Caracalla (entre 212 e 216 a.C.) com abóbadas de cruzaria; ou ainda a Basílica de Maxentius em Roma (308-312 d.C.) onde na nave central encontramos três abóbadas de cruzaria, e em cada uma das duas naves laterais, três abóbadas de berço.
Na Idade Média reencontramos estas soluções de construção e é frequente o uso das abóbadas de berço, na Arquitectura Românica, e das de cruzaria, na Arquitectura Gótica, e em ambos os casos parece existir a noção de que todos os elementos que compõem o edifício vão definir a própria experiência do espaço religioso, como escreve Bruno Zevi, o corpo [da igreja] torna-se organismo, toma consciência da sua unidade e da sua circulação, numa palavra, move-se.




         A Catedral gótica de Reims parece ser um exemplo bastante representativo do uso da abóbada na Arquitectura desse tempo: sem abdicar da sugestão do côncavo, as abóbadas de cruzaria procuram a verticalidade, conseguindo assim uma extrema elegância, reforçada pelas nervuras esculpidas: estas, no seu conjunto, acabarão por formar uma trama visual que em muito corrobora a ideia de um corpo orgânico apresentada por Zevi.



Cúpula

A cúpula é a estrutura de maior elevação de uma igreja, assumindo, portanto, o papel de clímax desta construção.
A nível de construção, a técnica das trompas, que fazia a transição da forma quadrangular para a circular, e os tambores, foram as exigências para que um elemento desta natureza pudesse ser construído, o que exigiu o estudo não só da Arquitectura Clássica, indispensável nesta matéria, mas também de outras civilizações menos referidas a propósito do Renascimento, como é o caso da Pérsia, onde, pensa-se, a técnica das trompas terá sido inventada.
A Arquitectura russa, ao longo dos séculos, fez uso frequente de cúpulas, ao ponto de vários edifícios terem mais do que uma (sendo disso um exemplo interessante a Catedral de S. Basílio de Moscovo), o mesmo acontecendo um pouco com a Arquitectura árabe, como se vê pelas mesquitas.




Historicamente, as cúpulas que mais marcaram a Arquitectura posterior a elas, terão sido a do Panteão de Roma (27 a.C.) e a da Basílica de Santa Sofia de Constantinopla (532-537 d.C.), talvez o exemplo mais complexo e grandioso da Arquitectura Bizantina. Em ambos os casos, é clara a vontade dos Arquitectos de que a cúpula seja o centro do edifício, entrando o visitante num lugar em que é envolvido por toda uma determinada atmosfera. Analisando, no entanto, as duas cúpulas e os dois edifícios a que elas pertencem, encontraremos diferenças bastante garridas, que o distanciamento cronológico justifica. Sendo Santa Sofia um espaço mais exacerbado e mais declaradamente religioso, o Panteão não deixa de, de certa forma, aludir também a uma atmosfera profundamente religiosa: tratando-se de um monumento a todos os deuses de uma cultura que os tinha em grande número, a solução construtiva da cúpula panóptica, que nos permite, em qualquer posição, vê-la inteiramente, parece ser o exemplo mais indicado para ilustrar a simbologia da unidade atribuída ao círculo: a de um todo formado pela junção dos fragmentos.



Seria a partir da lição dos clássicos que, no Renascimento, a utilização da cúpula volta a ser utilizada na Arquitectura religiosa cristã. A cúpula da Basílica de Santa Maria de Fiore (1420-1436), projectada por Brunelleschi seria considerada a primeira manifestação desse neoclassicismo.

Surgiriam depois outras propostas, como a cúpula do Convento de Pavia (1396-1495). Giacomo Vignola, que dedicou muito do seu trabalho à teoria e à investigação dos clássicos, projecta, em 1552, na Igreja de Santa Andreia, em Roma, a primeira cúpula circular do Renascimento.


Anos mais tarde, Michelangelo Buonarrotti seria encarregue de projectar a cúpula da Basílica de S. Pedro de Roma, que, suposto, seria a maior de todas, e que só foi terminada em 1590.







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Bibliografia

BACHELARD, GASTON, 'A Poética do Espaço', Edição Martins Fontes, S. Paulo, 6a edição, 2003
CENTENO, YVETTE K., 'Literatura e Alquimia', Editorial Presença, Lisboa, 1a edição, 1987
JUNG, C.G., 'The Collected Works' (cit. vol. 18: The Symbolic Life), Routledge & Kegan Pauld, Londres, 1977
TAVARES, DOMINGOS, 'Leon Batista Alberti, Teoria da Arquitectua', Dafne editora, s/l, 1a edição, 2004
VIEIRA, PADRE ANTÓNIO, 'Sermões', Imprensa Nacional-Casa da Moeda,  Lisboa, 
ZEVI, BRUNO, 'Saber Ver a Arquitectura', Edição Martins Fontes, S. Paulo, 5a edição, 1996

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