Arco, Abóbada, Cúpula
Como
escreve C.G. Jung, Um símbolo é sempre
mais do que podemos entender à primeira vista (...) permanecemos com o símbolo
porque promete mais do que revela.
O arco, a
cúpula e a abóbada foram elementos que, ainda que já antes encontrados,
conheceram na Arquitectura da Antiguidade Clássica algumas das suas primeiras
utilizações marcantes, de que é exemplo a cúpula do Panteão de Roma, construída
a 27 a.C.. Mas estes três elementos parecem ter entre si uma mesma orientação
estética que é a procura da inclusão do círculo ou do semi-círculo na Arquitectura.
Ainda que estes elementos se encontrem nas mais variadas tipologias de
Arquitectura, aquela onde parecem ser usados com mais intensidade e frequência
é na Arquitectura sacra. [Os símbolos] encontram-se principalmente nas religiões (...) o crente julga que são de origem divina escreve Yvette K. Centeno no seu ensaio 'O Símbolo, Forma Impura'. A isto podemos acrescentar a ideia do Padre António Vieira de que a eternidade e o desejo são duas coisas tão parecidas que na Natureza se representam da mesma forma: um O, ou seja, podemos facilmente associar o círculo a deus, a um símbolo de deus.
Assim, e
contrapondo esta ideia à de Jung, não será difícil compreender por que a
Arquitectura religiosa tanto privilegiou o círculo na construção das igrejas,
fazendo com que a própria concepção do edifício fosse já uma homenagem ao deus
que representavam, abrindo assim caminho, de certa forma, ao espaço de devaneio (...) de comunicação
entre os homens do sonho de que falava Bachelard.
Talvez isso
explique por que houve a necessidade de que a cúpula da Basílica de S. Pedro,
projectada por Miguel Ângelo, fosse maior que a de Brunelleschi para a Basílica de Santa Maria del Fiore; já que,
entendendo a cúpula como materialização desse símbolo perfeito de deus, a
construção dela seria, de certa forma, aspirar ao absoluto.
Paralelamente
ao lado simbólico destes elementos, há ainda a questão técnica que eles
representam; e a sua utilização ora funciona como sustentação dos edifícios,
como acontece com as estruturas de colunatas e arcadas, ora vem espicaçar a
necessidade de novas pesquisas e novas experimentações que permitam construir
mais livremente, como acontece com os tambores desenvolvidos para que fosse
possível erigirem-se as grandes cúpulas. Muitas destas técnicas eram já
dominadas na Grécia e na Roma Antigas, e o seu estudo interessou aos
arquitectos do Renascimento, conseguindo-se, então, essa construção menos
limitada.
Arco
O uso do
arco na Arquitectura é relativamente vulgar, uma vez que as suas
características estruturais permitem que receba e distribua a força de
elementos muito pesados se aliam a características estéticas a que os
arquitectos têm sido sensíveis desde a Antiguidade Clássica e até
anteriormente, se considerarmos que na construção Pré-História a forma circular
era já utilizada, e que encontramos arcadas em ruínas de civilizações como a
Babilónia ou a Assíria.
Seriam, no
entanto, os romanos, a utilizar mais plenamente as possibilidades do arco, uma
vez que, com eles criando altos vãos, conseguiam construir edifícios de escala
monumental, que, de outra forma, seria difícil conseguir. O arco de volta perfeita
surge aqui, um semicírculo, que seria reutilizado na Idade Média e,
principalmente, no Renascimento.
O arco de
volta perfeita é depois da predilecção dos Arquitectos do Românico, que usam
grandes arcadas para demarcar, nas igrejas, a nave principal das naves
laterais.
Uma
estética da horizontalidade seria depois, no Gótico, substituída pela da
verticalidade, e então, aliado ao aparecimento das abóbadas de cruzaria, surge
o uso do arco quebrado, que os sírios já haviam utilizado, e que mais facilmente
se enquadrava na sugestão de elevação divina que a Arquitectura sacra gótica
pretendia ser.
Já no
Renascimento, o tratadista Leon Batista Alberti demonstra o seu interesse pelo
uso do arco quando projecta uma ábside para a Igreja de San Martino de Gangalandi.
Sobre isto, diz-nos Domingos Tavares: Do
ponto de vista da forma a solução nada tem de novo. (...) O que é novo para a
época é a reutilização da ábside associada ao espaço rectangular axial, com valor de chamada
a um ponto de referência principal, ou seja, a resposta que Alberti
encontrou para clarificar o protagonismo daquele espaço a ser adossado à igreja preexistente
foi fazer desse espaço uma ábside, criando na parede da igreja um arco, dentro
do qual ficaria um altar, ou seja, o lugar de onde seria lido o texto bíblico.
Com a redescoberta e o estudo contínuo dos Arquitectos e dos restantes Artistas
sobre a Antiguidade Clássica, torna-se difícil encontrar um edifício renascentista que não inclua arcos.
Abóbada
As
primeiras tentativas de edificação de abóbadas remontam ao ano 6000 a.C., ou
seja, durante o período neolítico, em Khirokitia, situada no Chile.
Essas primeiras experiências, que também podem ser encontradas no Norte do Iraque ou em Creta, seriam retomadas no Império Romano, onde encontramos, por exemplo, as Termas de Caracalla (entre 212 e 216 a.C.) com abóbadas de cruzaria; ou ainda a Basílica de Maxentius em Roma (308-312 d.C.) onde na nave central encontramos três abóbadas de cruzaria, e em cada uma das duas naves laterais, três abóbadas de berço.
Essas primeiras experiências, que também podem ser encontradas no Norte do Iraque ou em Creta, seriam retomadas no Império Romano, onde encontramos, por exemplo, as Termas de Caracalla (entre 212 e 216 a.C.) com abóbadas de cruzaria; ou ainda a Basílica de Maxentius em Roma (308-312 d.C.) onde na nave central encontramos três abóbadas de cruzaria, e em cada uma das duas naves laterais, três abóbadas de berço.
Na Idade
Média reencontramos estas soluções de construção e é frequente o uso das
abóbadas de berço, na Arquitectura Românica, e das de cruzaria, na Arquitectura Gótica, e em ambos os casos
parece existir a noção de que todos os elementos que compõem o edifício vão
definir a própria experiência do espaço religioso, como escreve Bruno Zevi, o corpo [da igreja] torna-se organismo, toma
consciência da sua unidade e da sua circulação, numa palavra, move-se.
A Catedral gótica de Reims parece ser um exemplo bastante representativo do uso da abóbada na Arquitectura desse tempo: sem abdicar da sugestão do côncavo, as abóbadas de cruzaria procuram a verticalidade, conseguindo assim uma extrema elegância, reforçada pelas nervuras esculpidas: estas, no seu conjunto, acabarão por formar uma trama visual que em muito corrobora a ideia de um corpo orgânico apresentada por Zevi.
Cúpula
A cúpula é
a estrutura de maior elevação de uma igreja, assumindo, portanto, o papel de
clímax desta construção.
A nível de
construção, a técnica das trompas, que fazia a transição da forma quadrangular
para a circular, e os tambores, foram as exigências para que um elemento desta
natureza pudesse ser construído, o que exigiu o estudo não só da Arquitectura
Clássica, indispensável nesta matéria, mas também de outras civilizações menos
referidas a propósito do Renascimento, como é o caso da Pérsia, onde, pensa-se,
a técnica das trompas terá sido inventada.
A
Arquitectura russa, ao longo dos séculos, fez uso frequente de cúpulas, ao
ponto de vários edifícios terem mais do que uma (sendo disso um exemplo
interessante a Catedral de S. Basílio de Moscovo), o mesmo acontecendo um pouco
com a Arquitectura árabe, como se vê pelas mesquitas.
Historicamente,
as cúpulas que mais marcaram a Arquitectura posterior a elas, terão sido a do
Panteão de Roma (27 a.C.) e a da Basílica de Santa Sofia de Constantinopla
(532-537 d.C.), talvez o exemplo mais complexo e grandioso da Arquitectura
Bizantina. Em ambos os casos, é clara a vontade dos Arquitectos de que a cúpula
seja o centro do edifício, entrando o
visitante num lugar em que é envolvido por toda uma determinada atmosfera.
Analisando, no entanto, as duas cúpulas e os dois edifícios a que elas
pertencem, encontraremos diferenças bastante garridas, que o distanciamento
cronológico justifica. Sendo Santa Sofia um espaço mais exacerbado e mais declaradamente religioso, o Panteão não
deixa de, de certa forma, aludir também a uma atmosfera profundamente
religiosa: tratando-se de um monumento a todos os deuses de uma cultura que os
tinha em grande número, a solução construtiva da cúpula panóptica, que nos
permite, em qualquer posição, vê-la inteiramente, parece ser o exemplo mais
indicado para ilustrar a simbologia da unidade atribuída ao círculo: a de
um todo formado pela junção dos fragmentos.
Seria a
partir da lição dos clássicos que, no Renascimento, a utilização da cúpula
volta a ser utilizada na Arquitectura religiosa cristã. A cúpula da Basílica de
Santa Maria de Fiore (1420-1436), projectada por Brunelleschi seria considerada
a primeira manifestação desse neoclassicismo.
Surgiriam depois outras propostas, como a cúpula do Convento de Pavia (1396-1495). Giacomo Vignola, que dedicou muito do seu trabalho à teoria e à investigação dos clássicos, projecta, em 1552, na Igreja de Santa Andreia, em Roma, a primeira cúpula circular do Renascimento.
Anos mais tarde, Michelangelo Buonarrotti seria encarregue de projectar a cúpula da Basílica de S. Pedro de Roma, que, suposto, seria a maior de todas, e que só foi terminada em 1590.
Surgiriam depois outras propostas, como a cúpula do Convento de Pavia (1396-1495). Giacomo Vignola, que dedicou muito do seu trabalho à teoria e à investigação dos clássicos, projecta, em 1552, na Igreja de Santa Andreia, em Roma, a primeira cúpula circular do Renascimento.
Anos mais tarde, Michelangelo Buonarrotti seria encarregue de projectar a cúpula da Basílica de S. Pedro de Roma, que, suposto, seria a maior de todas, e que só foi terminada em 1590.
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Bibliografia
BACHELARD, GASTON, 'A Poética do
Espaço', Edição Martins Fontes, S. Paulo, 6a edição, 2003
CENTENO, YVETTE K., 'Literatura e
Alquimia', Editorial Presença, Lisboa, 1a edição, 1987
JUNG, C.G.,
'The Collected Works' (cit. vol. 18: The Symbolic Life), Routledge & Kegan
Pauld, Londres, 1977
TAVARES, DOMINGOS, 'Leon Batista
Alberti, Teoria da Arquitectua', Dafne editora, s/l, 1a edição, 2004
VIEIRA, PADRE ANTÓNIO, 'Sermões', Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa,
ZEVI, BRUNO, 'Saber Ver a
Arquitectura', Edição Martins Fontes, S. Paulo, 5a edição, 1996
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