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quarta-feira, 12 de agosto de 2009

dez de janeiro. só o silêncio responde



não sei se alguma vez viste
crescer a morte sobre um corpo

é como uma infância
de que se desconhecem os modos
ou o lento estalar de um vidro

são como imagens as imagens
partidas esse abandono de partir
o que em água viram os olhos

por esse lençol subido de silêncio
sobe nu de tempo um homem
com mãos devagar de luz
a morte cresce com ele
é o seu corpo que poderá ser
a palavra

Pedro Sena-Lino
Deste Lado da Morte Ninguém Responde
2005, quasi edições
imagem: Paulo Nozolino

terça-feira, 14 de abril de 2009

apresentação do rosto (excerto)


Atravessei depressa a juventude.
Tinha duas coisas- a alegria e o terror.
Percorri-os sem tomar fôlego.
Quando cheguei ao outro lado, encontrava-me em frente da maturidade- estupefacto.
Não conhecia os nomes nem as subtilezas.
Falando com certas pessoas eu dizia: conheci a alegria e o terror.
Elas sorriam.
Parece que eram sábias.
Ou estúpidas.
Nada sei disso.


Herberto Helder
"Apresentação do Rosto"
1968, ulisseia, excluido da obra pelo autor
fotografia: Bone Lonely por Paulo Nozolino

segunda-feira, 2 de março de 2009

o poema/ a fotografia

Eu sou a cabra que tu vês à esquina logo de manhã quando caminhas com o cabaz das compras e a criada atrás
Fui eu quem assaltou hoje a mercearia do sr. José, coitado, mesmo à tua porta, e causou um alvoroço enorme
Eu, arrastei a tua catraia tão sossegadinha à força para o vão duma escada e, acredita, nunca pensei que uma miúda assim já soubesse tanto
E passo acima-abaixo na rua rente à janela do teu lar à procura dum homem, tu és dos que chamam palavrões a este cio homossexual e escondes a cara nas cortinas
Eu sou das que perdem os dias no café sem fazer nada, essa canalha
Deito-me com mulheres de qualquer idade e até faço amor com uma filha
Tenho vísceras astrais, a minha boca conhece a do anjo de Filadélfia
Visto-me de maluca, visto-me de bom senso, quando calha até me visto de coisa sonsa e hipócrita
Durante a noite ando aos caixotes, mergulho o nariz na náusea dos edifícios
E partilho das gamelas dos freaks desta cidade
Não me chateies com os teus problemas transcendentes





PAULO DA COSTA DOMINGOS
"Travesti"
edição &etc, 1979
fotografia: PAULO NOZOLINO
"Bone Lonely"

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

o poema




Confesso: às vezes somente
a voz da tua pele apela
às verdades dormentes
ou opressas debaixo
da máquina do pensamento,
mas eu não te deixo.



Confesso: qualquer vestido
modesto de elementar singeleza
sublinhará a face sem adereços
da tua infanta, a silhueta
escondida será uma adivinha,
minha aura velada de leveza.



Confesso: nesta hora ébria
de contigo regressar à perdida
infância que resguarda
a inocência da desconfiança...
faz-me uma festa, fala comigo:
saudades eu tenho, de chorar





Eva Ruivo


"A Rosa de Jericó"
1990- frenesi- esgotado
fotografia de Paulo Nozolino