segunda-feira, 2 de março de 2009

o poema/ a fotografia

Eu sou a cabra que tu vês à esquina logo de manhã quando caminhas com o cabaz das compras e a criada atrás
Fui eu quem assaltou hoje a mercearia do sr. José, coitado, mesmo à tua porta, e causou um alvoroço enorme
Eu, arrastei a tua catraia tão sossegadinha à força para o vão duma escada e, acredita, nunca pensei que uma miúda assim já soubesse tanto
E passo acima-abaixo na rua rente à janela do teu lar à procura dum homem, tu és dos que chamam palavrões a este cio homossexual e escondes a cara nas cortinas
Eu sou das que perdem os dias no café sem fazer nada, essa canalha
Deito-me com mulheres de qualquer idade e até faço amor com uma filha
Tenho vísceras astrais, a minha boca conhece a do anjo de Filadélfia
Visto-me de maluca, visto-me de bom senso, quando calha até me visto de coisa sonsa e hipócrita
Durante a noite ando aos caixotes, mergulho o nariz na náusea dos edifícios
E partilho das gamelas dos freaks desta cidade
Não me chateies com os teus problemas transcendentes





PAULO DA COSTA DOMINGOS
"Travesti"
edição &etc, 1979
fotografia: PAULO NOZOLINO
"Bone Lonely"

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