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sábado, 25 de dezembro de 2010

Olga Gonçalves: Rudolfo

QUANDO O TELEFONE TOCA

Falecida a autora em 2004, a obra de Olga Gonçalves tem caído recentemente num silêncio bastante desagradável. Não sou, de facto, um grande defensor da sua obra em poesia, que não me parece tão relevante quanto, eventualmente, a sua obra de ficção. É facto que foi com a poesia que se iniciou, em 1972, com "Movimento" (ed. Moraes), mas logo em 1973, daria à estampa "Mandei-lhe Uma Boca" (ed. Seara Nova, 3a ed. Caminho, 1997), e, até 1987, ano em que edita o último livro de poesia, "A Caixa Inglesa" (ed. Rolim), intercalará sempre a publicação de poesia com a de ficção.
No entanto, é justo dizer que Olga Gonçalves optou mesmo pela ficção. Recentemente, Maria Graciete Besse editou "Os Limites da Alteridade na Ficção de Olga Gonçalves" (ed. Campo das Letras), onde analisa muito seriamente a obra da escritora. Ao ler o livro, parecem-me evidentes as qualidades de ficcionista de Olga G., e pergunto-me o motivo por que a sua escrita, de facto, parece estar a desaparecer.
A razão que me parece mais normal será o facto da temática de fundo, comum a quase todos os livros da autora. A emigração e as questões com ela relacionada, acabam por estar sempre presentes nesta obra, quer em papel principal- caso de "Este Verão, o Emigrante La-Bas" (1978, ed. Moraes)- quer como assunto secundário mas no entanto presente.

"Rudolfo"(1985, ed. Rolim) não escapa a essa temática. Ela é secundária, mas nem por isso se sente mesmo.
Destaco "Rudolfo" não só porque foi o livro de Olga Gonçalves que li mais recentemente, mas também porque me parece ser um caso de verdadeira originalidade.
Refira-se, para começar, que este livro surge na Colecção Fantástico das edições Rolim, uma colecção de contos e novelas de tema "fantástico", onde editaram alguns dos nossos mais importantes escritores, como Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno, Nuno Júdice, Maria Regina Louro ou Natália Correia.
No caso de Olga Gonçalves, o assunto não é "fantástico" no sentido mais imediato do termo, mas trata-se de uma história que, apesar de verosímil, tem algo de "improvável" que faz adequar-se ao contexto da edição, ainda que não ceda totalmente a ela.
Concretamente, "Rudolfo" é a história de uma escritora de romances policiais que, numa época particularmente solitária e depressiva da sua vida começa a receber telefonemas a meio da noite, de um homem que sempre lhe pede que não desligue, ainda que por vezes se apresente como "o ladrão". Apesar de relutante, a mulher vai trocando algumas palavras com o homem, que lhe dá todos os indícios de conhecer os seus hábitos. A certa altura, o homem arromba a porta da mulher, só para depois poder contar-lhe que ficara durante a noite de vigia, para ter a certeza que nenhum ladrão ou assassino verdadeiro a incomodava.
E, aquilo que inicialmente parece ser uma espécie de luta pelo poder, o poder de falar ou de desligar, etc, acaba por lentamente se tornar numa troca biográfica, senão mesmo afectiva.
Aqui precisamente, entra o tal pano de fundo da emigração, já que Rudolfo seria angolano de origem, e, em determinada altura desta novela, assume ele o papel de narrador, para nos contar a trágica partida de Angola para Portugal e todos os problemas que sofreria no nosso país.
Entende-se que esta foi a forma que Olga Gonçalves encontrou de solidificar essa figura de Rudolfo que, no início do livro se nos apresenta ainda como uma voz ao telefone, uma voz que é para nós tão misteriosa como para a protagonista.
Depois, Rudolfo torna-se realmente pessoa, conhecemos o seu historial. Essa é, portanto, a relevância da presença da emigração em "Rudolfo". No entanto, a minha dúvida é se essa presença não se torna relevante demais. Ou seja: inicialmente, "Rudolfo" apresenta-se-nos como uma narrativa realmente surpreendente e empolgante, uma vez que nos coloca perante uma situação improvável e que vai contra tudo aquilo que os pais nos ensinam desde pequenos: efectivamente, este "ladrão" quer apenas conversar com a escritora, e, mesmo quando tem hipótese de lhe fazer mal, escolhe não fazer. Além disso, há nas conversas entre ambos uma espécie de incomunicabilidade consciente, como se houvesse naquela troca algo que, na verdade não poderia ser dito por palavras, é uma ideia que se sente logo no princípio do livro. O problema começa quando o passado de Rudolfo começa a ser objecto de análise: uma análise minuciosa, excessiva por vezes, que retira essa carga mística de cima do personagem. E por isso quando, no final do livro, a escritora fica tão entusiasmada com a ideia de conhecer Rudolfo, nós não partilhamos desse entusiasmo, porque o conhecemos o suficiente para não precisar de o "encontrar".
Os escritores todos têm uma obsessão. É por isso que escrevem. Ou, pelo menos, é isto que eu defendo. Olga Gonçalves teria a dela, possivelmente com a problemática da emigração.
Não sei, portanto, se será justo repreender em "Rudolfo" a relevância dada à emigração. Mas a verdade é que ela ensombra uma história criativa e inesperada, tornando-a mundana e quase explicável...
É certo que Olga Gonçalves resolve muitíssimo bem o final do livro. O desenlace, que também pode ser uma espécie de quase-anti-climax, resulta muitíssimo bem, é capaz de nos emocionar, de nos fazer coincidir com a personagem da escritora. E de referir, ainda, os capítulos finais, em que Olga desmonta uma série de processos literários de transformação de uma história, quase nos explicando passo-a-passo como transformou uma situação auto-biográfica numa sequência romancesca.
Por assim dizer, a minha opinião é que, se fossem amputados a esta novela alguns dos seus capítulos centrais sobre a origem de Rudolfo, estaríamos perante uma das histórias mais fantásticas dos últimos anos. Nos vários sentidos da palavra.
Destaco ainda a capa do livro, com um desenho de João Carlos Albernaz que, não sendo definitivamente aquilo com que, esteticamente, me identifico, me parece captar muitíssimo bem a atmosfera desta história.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Um Poema



Mas que do nada ao menos fique
um momumento de palavras.
David Mourão Ferreira

que fique um monumento de palavras
só de palavras que não arrefeçam
como lobas do sol sugando a terra
na densa arquitectura da estiagem

um arco incandescente que do nada
gere sílabas férteis alfabetos
como fachos de luz sobre o deserto
de minúsculas vidas em combate

que desse monumento surja o livro
o rumo a rotação em que se fundam
todos os dedos unos sem litígios

a síntese perfeita da puríssima
da silente verdade resoluta
dentro do homem novo em seus desígnios.

Olga Gonçalves
Três Poetas
1980, ed. O Oiro do Dia
desenho de Eduardo Nery

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Uma Citação

Sou capaz de fechar os olhos e lembrar-me de tudo. De muita coisa que nunca repetirei. Que ao meu pai já lhe mandei uma boca. Mandei uma boca aos dois, ao meu pai e à minha mãe.

Uns pais arranjam a vidinha de uma maneira, outros arranjam-na doutra. Pensando bem, parece que aceito melhor os que se estão marimbando, os menos obcecados. Serão egoístas, chamem-lhes o que quiserem. Para mim têm uma qualidade: deixam-nos experimentar uma porção de coisas, deixam-nos saber o que é estar a rebentar de desespero e de solidão. Não acha que isto é muito importante?
Olga Gonçalves

terça-feira, 20 de julho de 2010

Olga Gonçalves: Caixa Inglesa

Termino agora a leitura de "Caixa Inglesa" (1984, ed. Rolim) de Olga Gonçalves, escritora nascida em Luanda, em 1929.
Este é um livro em que a autora cruza, dentro de um certo experimentalismo, a poesia e a prosa. Relembrando "Movimento" (1972, ed. Moraes), primeira recolha de poemas de Olga Gonçalves e comparando com este livro de 1984, o que falta ao primeiro parece este ter a mais.



Segundo a nota na contracapa, Olga Gonçalves testemunhou interesse para o experimentalismo e talvez seja essa a principal fragilidade do livro de estreia: uma tendência excessiva para a estética, ligada ao minimalismo, que tornava alguns poemas apenas fôlegos rítmicos e palavrosos em que não se entendia grande conteúdo. Em "Caixa Inglesa" não existe esse minimalismo, mas muitas vezes justamente um excesso. "Caixa Inglesa" é um livro de ideias e imagens potencialmente fortes, em particular as ligadas à infância e à memória, mas de certa forma estes poemas em prosa precisavam de alguma limpidez, de menos palavras. Precisamente esse excesso torna alguns dos textos demasiado barrocos, e nalguns casos esse excesso é tão evidente que se perde o rasto à ideia para seguir as palavras.
É certo que este cruzamento entre prosa e poesia é um projecto de grande vulto, e Olga Gonçalves consegue por vezes alguns resultados mais positivos, sendo o mais interessante a questão do ritmo, conseguido pela escolha rigorosa das palavras e da pontuação. A pergunta é ainda até que ponto a perseguição do ritmo não distrai do conteúdo dos poemas.
Dos vinte e nove poemas que totalizam os dois capítulos de "Caixa Inglesa" um parece ser, de todos, o mais equilibrado: "Meia-Tarde". Neste poema são conseguidos o equilíbrio e a tensão entre a forma e a ideia, que parecem mais frágeis em grande parte dos restantes textos.
Se é verdade que esta fusão de géneros literários (Que excede a forma, claro.), já produziu em Portugal verdadeiras obras de referência- como "O Aquário" e "Movimento Perpétuo" de Fiama, "Os Passos em Volta" de Herberto Helder ou os romances de Yvette K. Centeno- no caso de Olga Gonçalves, e concretamente da sua poesia, parecem-me mais pertinentes os sonetos, onde o cânone formal ajuda a controlar a escrita, evitando que o excesso de palavras desfoque a ideia do poema. Leia-se "Só de Amor" (1975, ed. Ática), livro de referência na bibliografia da autora, totalmente constituido de sonetos, que comprovará esta ideia.