Maio, maio.
Tarde.
Vejo-me na rua.
Penso? muito pouco.
Terra escura, terra escura!
E soledade...
Pena?
De nada, de mim.
Mas desespero, fastio.
Soledade!
Terra escura.
Maio, maio...
Camions de presos,
numa rua parados.
Vazios, cheios?
Impenetráveis.
Vazias as ruas.
E as vistas...
Gastas, imutáveis!
Um rio antigo,
de aquário,
longe, estagnado.
As casas maciças,
impávidas, alinhadas.
Descidas, só descidas...
As mulheres, adamadas.
E eu só, só, só!
Sempre assim.
Tudo o mesmo,
o que foi.
Soledade, soledade...
As ruas com sêlo.
Características e incaracterísticas.
Quentes e escuras.
E eu hei-de morrer,
acabar de passar,
deixá-las.
E elas, ficar!
Sem nenhum mistério.
Corro nelas, como o seu sangue,
surdo, cego, interior.
Um sangue sem qualidade!
Desconsolado.
Há vida?
Não há, não a sinto.
Mas o mundo revolve-se.
Mundo de insectos!
Vai aqui uma alma,
como o sangue das ruas,
perdida,
desemparelhada,
para o nada...
As ruas, golfos!
De um lado e outro a vida,
mas dissimulada, aberrativa.
E eu que sou o seu sangue,
correndo,
sem olhos nem sentidos....
Afrontada,
apertada, desenganada.
A de sempre aqui vai,
a sem coragem!
Maio, maio...
Uma tarde como estas,
tão velha e tão simples,
me ofende e me angustia.
Miseráveis, miseráveis!
Tomais a vida vossa
e não me deixais nada!
Sem vos ver, pressinto-vos...
Estas ruas, estes golfos,
que sempre me amarguraram...
me invadiram de melancolia,
tão cara!
Humilde, hei-de morrer
e elas continuar...
a receber e a desprezar...
Hei-de passar
sem reconhecer a vida,
a esquiva,
toda a sua acuidade!
De nada me desobrigarei,
não trouxe mensagens...
Vadio.
Passarei como o sangue,
indiferente, inconsciente,
repetida e esquecida.
Passarei.
Mundo de cães,
mesquinho e utilitário,
como me olhaste?
Nem me olhaste,
tudo me roubaste,
de tudo me desenganaste.
Insípido, insípido.
Irene Lisboa
in «Seara Nova»
Junho de 1938
pintura de Jeremy Enecio
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