Ando com tanta vontade de chorar...
Estar só cria uma melancolia tão profunda!
Só e sem uma ilusão de gosto! Esta impressão de completo deserto moral é acabrunhante. Uma impressão em mim contínua, actualmente. Mas houve dias, de quando? nunca se podem localizar bem estas impressões! _em que eu me sentia com a ânsia de viver, o gosto da vida. E tolerante, quase alegre...
Deve ter sido há muito tempo. Não me reconheço nessa que fui, nem sei quando é que assim fui.
Olho para o que me rodeia, para esta casa, estes bocados de parede tão indiferentes e pergunto-me que é que tenho aqui feito, se isto é viver?
Como tenho gasto o meu tempo?
Eu desejo o que os outros desejam, com certeza, mas eles satisfazem-se e eu não.
A vida repele-me. Tudo me constrange e me desassossega, quase me aterra.
A minha vontade é de perguntar sempre, mesmo sem saber a quem:
É assim que se vive, a isto chama-se viver?
Que tristes horas tem um dia! Tão aflitivas e desacompanhadas!
O inferno vive-se, conhece-se... e não é a rispidez das lutas que o dá, nem a violência dos sentimentos. É este viver à parte, este viver sufocado.
Já houve quem me dissesse que eu sou simples, estupidamente simples, naturalmente, e que o capricho é o sal da vida...
Deve ser isso. Decepciono, desencanto. Das minhas portas e do meu coração para dentro não há senão humildade.
Mas eu não sei bem porque é que tudo o que me cerca me parece vazio ou irreal. Vivo disparatadamente, à toa, quase sem hábitos nem propósitos.
Irene Lisboa
Solidão
1939, ed. Seara Nova
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