4.
Cada um destes filmes gerou infalivelmente sequelas. E
todos já foram objecto de remakes,
com excepção de Hellraiser cujo remake tem sido adiado desde há anos
pela Dimension Films.
O que são estas sequelas? Quase sempre são repetições
dos originais, apenas prevendo intervalos de tempo que estabeleçam uma barra
cronológica de desaparecimentos e regressos dos assassinos. O caso pior é o de Friday the 13th: no segundo filme, o
vilão torna-se o próprio Jason Vorhees que vem por sua vez vingar a mãe, sempre
em banhos de sangue gratuitos que levam a um novo extremo o Complexo de Édipo.
Nenhum dos filmes consegue trazer nada de novo, enveredando até por caminhos
tão inusitados que se tornam risíveis, como Jason
X (2001), em que James Isaac leva Vorhees para uma nave espacial, ideia que
já não havia resultado bem em Hellraiser
IV: Bloodline (1996) de Kevin Yagher. Precisamente o filme de Clive Barker
teve uma sequela aceitável, Hellraiser:
Inferno (2000) de Scott Derrickson, que troca a violência física por uma
violência psicológica bastante eficaz, tanto na imagética como no próprio
argumento do filme. A Nightmare on Elm
Street não teve a mesma sorte, porque o ilimite imaginativo assegurado pelo
sonho facilmente se descontrola nas mãos de realizadores e argumentistas menos
inteligentes, e nem o regresso de Craven para realizar New Nightmare (1994) conseguiu desviar-se da predicabilidade que
caracterizou todas as sequelas. O caso apesar de tudo mais optimista foi o de Halloween. Carpenter planeava uma saga
em que cada filme, decorrendo no Halloween, tivesse uma temática diversa, mas o
fiasco financeiro de Halloween III:
Season of the Witch (1982) de Tommy Lee Wallace fez os estúdios optar pelo
retorno à personagem de Michael Myers, em Halloween
IV: The Return of Michael Myers (1988) de Dwight H. Little, em que o
assassino persegue a jovem sobrinha, filha da entretanto falecida Laurie
Strode. Pelo menos aqui, a lógica de cortar amarras com a humanidade mantém-se,
ainda que o filme esteja longe de ser bom. O único que se aproxima de ser um
bom filme é Halloween H20: 20 Years Later
(1998) de Steve Miner.
Mas a transição dos filmes originais para sagas tem
uma importância maior do que a qualidade dos filmes individuais propriamente
ditos. A maioria das sequelas dispensa, no fundo, a ligação com os originais.
No caso de Hellraiser, chegou-se ao extremo
de inserir os Cenobites em filmes que nada tinham a ver com essa mitologia.
Esta colagem aos filmes já estabelecidos foi só uma forma de garantir o sucesso
de venda. A box-office e não a
vontade criativa, foi o móbil. O resultado é que, mesmo em filmes que não
continuam nenhum destes cinco exemplos seminais, começámos a ver surgir uma
série de fórmulas.
Actualmente, quase todos os filmes de horror têm um plot previsível:
a) um grupo de pessoas, quase sempre
adolescentes, em viagem, depara-se inesperadamente com um assassino ou uma
comunidade deles, que os persegue. Por norma, há um sobrevivente, para
assegurar a sequela. Este modelo, que não anda longe de The Texas Chainsaw Massacre, encontra-se por exemplo em Wrong Turn (2003), The Hills Have Eyes (2006, remake de um original de Wes Craven), Storm Warning (2007) ou Bikini Girls on Ice (2009). Jogam por
norma com psicopatologias ou formas não civilizadas de vida, uma vez que, sendo
as vítimas ocasionais, não há espaço para intencionalidade;
b) um grupo de pessoas, também por
norma adolescentes, são atacados no lugar onde vivem ou num lugar para onde se
deslocam com um fim preciso, sendo possível que o assassino seja, afinal,
alguém do círculo de amigos do personagem central. Há nalguns casos uma certa
contaminação da literatura e do cinema policial. É o que encontramos em Halloween como em Friday the 13th e A Nightmare
on Elm Street, e repete-se em filmes recentes como I Know What You Did Last Summer (1997), Urban Legend (1998) ou Valentine
(2001). Quase sempre envolvem grandes vinganças, sendo o principal alvo o
protagonista deixado para o fim do massacre, que lhe sobrevive;
c) no centro há um drama familiar
eminente, como o encontramos em Hellraiser
ou em A Nightmare on Elm Street, em
que uma família é vítima de uma perseguição, por norma de feição sobrenatural.
Exemplos disso são The Ring (2002), Dream House (2009), Insidious (2011) e Absentia
(2012). Quase sempre por causa do sentimento de protecção, a família sobrevive
e está nas crianças o primeiro indício do Mal que existe na casa, casa essa que
ocupa um lugar central enquanto símbolo de abolição das barreiras entre o
sobrenatural e a vida quotidiana.
Entre os filmes que podíamos
inserir nestes conceitos básicos, tanto encontramos trabalhos de qualidade nula
que visam apenas ser consumidos, como Wrong
Turn, Valentine ou Bikini Girls on
Ice (este último dificilmente qualificável de tão penoso se torna vê-lo);
como filmes de qualidade como Urban
Legend, The Ring, Insidious ou Absentia,
que conseguem tomar uma fórmula batida e transformá-la num objecto a vários
títulos novo.
5.
A repetição exaustiva das fórmulas não aconteceria se
não fosse rentável. O público para a maioria destes filmes é de adolescentes de
cultura baixa, que procuram o cinema enquanto entretenimento, e não enquanto
arte. Ironicamente, parece ter-se tornado divertido assistir ao massacre de
seres humanos, recriados de formas cada vez mais realistas. E a adrenalina
causada pelo medo e o sobressalto não chegam para justificar a procura que
potencia semelhante oferta.
O que é que, sem sabermos, nos causa satisfação
perante o sofrimento dos personagens perseguidos e executados no ecrã? Porque
não há dúvida de que sentimos prazer nisso. Há algo de prazer perverso em
assistir a um filme de horror e esse prazer perverso não é senão o do confronto
com a Natureza mesma.
Os filmes de horror, principalmente os bons, são um
regresso metafórico à origem da Humanidade. O Homem, representado na figura do
protagonista martirizado, está novamente indefeso perante uma ameaça que tem
tudo para o vencer. As figuras dos assassinos estão sempre em vantagem à priori: seja porque são maiores em
número, seja por força física superior, por estarem armados, por serem
favorecidos pela ausência de emoções, por gozarem das leis de um outro mundo,
por serem mais inteligentes ou mais astutos, ou até por terem um aspecto
horrendo que paralisa à partida.
Como o Homem das cavernas que inventa a habitação e o
armamento para se escudar de um mundo que o ultrapassa, a figura central dum
filme de horror está impotente, reduzida à sua insignificância. A civilização
criada e aperfeiçoada ao longo de séculos não pode ajudar, o Homem moderno
regressa ao seu estado primitivo e não pode senão lutar com as suas próprias
mãos contra a adversidade. E, quando triunfa, triunfa pela sua capacidade
inventiva (a mesma que conduziu precisamente ao início da civilização) ou pela
força vinda do instinto de sobrevivência que o leva ao limite das suas
capacidades, ou pelo instinto de protecção dos entes queridos, estes últimos
valores amplamente valorizados pela cultura actual.
Mas o Homem não pode vencer esse mundo que o
ultrapassa, e nem mesmo o cinema de horror se atreve a afirmar o contrário.
Quase todos os filmes terminam em aberto, com a sugestão de que o antagonista
pode não ter sido verdadeiramente eliminado: são geniais os finais de Halloween e A Nightmare on Elm Street, no primeiro, a respiração lúgubre de
Michael Myers ouve-se numa série de espaços desertos; no segundo, o carro
descapotável onde segue a protagonista é subitamente coberto por um tejadilho
com o mesmo padrão da camisola de Fred Krueger.
A própria febre das sequelas em que os vilões
constantemente ressuscitam, recusando-se a morrer, é um sintoma, provavelmente
inconsciente, de que o Mal sempre regressará. De que o Homem é obrigado a estar
constantemente alerta para a sua desvantagem face ao mundo, que sempre lhe será
superior.
O cinema de horror é, portanto, o mais arqueológico
dos géneros. Ele alude a um tempo que precede o das batalhas do Homem contra si
mesmo que a tragédia grega marca. Situa-se até antes das batalhas do Homem com
o Divino. É na relação de escala entre Homem e mundo que o cinema de horror tem
a sua metáfora mais básica.
E daí vem o nosso fascínio. O prazer perverso não é na
verdade perverso, ver um filme de horror é uma espécie de confissão de
inocência em relação a esse prazer que apenas parece perverso. Porque, no
fundo, aquilo que fazemos é exorcizar o fantasma da nossa fragilidade. Chega a
ser um exercício terapêutico observar um duelo em que a superioridade do
inimigo é reconhecida mas não lhe garante uma vitória. Forçamo-nos a sentir o
medo para conhecermos o perigo, para nos instruirmos. Os filmes de horror dão
subliminarmente razão a S. Bento de Núrsia quando proíbe o riso na sua Regra:
se perdermos o medo, não poderemos defender-nos dele. Os personagens cépticos
que se recusam a temer o perigo ou que riem dele, são sempre os primeiros a
morrer. Pelo contrário, aqueles que sentem medo e lutam para não se deixar
paralisar por ele, combatem apaixonadamente pela sobrevivência.
Um mundo em que o medo seja desnecessário é um mundo
idealizado. O cinema de horror é um banho de realidade, o sangue derramado é um
símbolo directo do inevitável perigo. Mas não deixa de haver neles igualmente
uma mensagem muito optimista, que é a de que é possível sobreviver, se
aceitarmos o medo e não nos demitirmos da condenação de combatê-lo.
6.
Evidentemente, nada disto absolve os péssimos filmes
de horror que se produzem actualmente em cada vez maior quantidade. As
intenções pessoais de um criador só são importantes até certo ponto –e ainda
que realizadores como Carpenter, Argento, Hooper ou, mais recentemente, Brad
Anderson, pareçam compreender com que matéria lidam nos seus filmes, é
igualmente verdade que noutros, a única técnica utilizada parece ser a da
imitação. Mais ainda, tendo em conta que muitos filmes são feitos com o único
propósito de gerar lucro, não podemos esperar uma intenção ou sequer uma
consciência, das questões que conceptualmente podem existir num filme que se
centra na temática do medo. Essas preocupações são do domínio da Arte e da
cultura, não do domínio do capital e da economia.
Há questões muito profundas nesses géneros malditos do
western e do scy-fy e do horror. O western,
no seu binómio homem branco/homem vermelho, representava a luta Homem vs.
Homem; o scy-fy apresenta o medo do Homem
perante um futuro híper-tecnológico; o horror, por outro lado, fala do medo do
homem na sua fragilidade perante o tempo, sem contingências, sem agravantes ou
atenuantes.
Mas essa profundidade ideológica, consciente ou não,
não serve de perdão para tantos filmes maus. Serve, isso sim, para lamentarmos
precisamente que a força de todo um género seja esbanjada em tantas más
produções. Ao horror não faltam obras-primas, e a obra de John Carpenter é
certamente exemplo disso. Que alguns realizadores mais jovens, como Brad
Anderson ou Victor Salva, sejam capazes de compreender a complexidade do cinema
de horror, mostra-nos que, apesar de tudo, nem todas as ideias estão esgotadas.
Nem seria de esperar que estivessem. A existência do cinema de horror, por si
só, prova que ainda não aprendemos a viver com a nossa fragilidade nem com o
medo que ela causa.
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