sexta-feira, 22 de março de 2013

Harmonia das Esferas


Pelas grades das persianas a lua cheia desembolsa
Em pleno no meu quarto, vómitos jorram até manchar a cama.
Nela deitado ardo como um olho que nunca mais pode fechar,
Uma pequena poça de carne, um órfão do tamanho de uma orelha.

Lá em baixo adolescentes dão estoiros nas garagens, expõem
Com gritos as partes pudendas niqueladas num regaço
De tijolo, dão cabo das janelas e matraqueiam com taipais
Para chatear a noite, mais o bairro, toda a danada da criação.

Mais tarde o torturante gotejar dos segundos
Nas goteiras de zinco. Tlipe. Tlipe. Plom. E lá ao fundo
Nos jardins carbonizados e ermos
A invisibilidade uivante dos gatos no cio.

Desde que moro aqui, mando longas cartas
Para a casa anterior. Lá, podia dormir, vigiar, silêncio
E escuridão aí reinavam, como no sedutor vazio rítmico
E opressivo de poemas por escrever.

Leonard Nolens
trad. do neerlandês flamengo por Catherine Barel
Uma Migalha na Saia do Universo (Antologia de Poesia Neerlandesa  do Século Vinte)
ed. Assírio e Alvim
pintura de Isabel de Sá

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