Muitas vezes me pergunto a mim mesma o que é um livro.
O mesmo que as pessoas! apetecia-me responder. Ou: são tão diversos os livros como elas... Mas estabelecendo uma comparação destas eu daria grandes âmbitos à obra escrita, dar-lhe-ia foros de extraordinária variedade. E não me sinto com esse direito.
Eu penso nos livros, lembro-os, distingo-os, com a maior calma. Um livro é sempre uma mensagem entregue, por mais banal que seja o dito. E uma pessoa, qualquer que seja, é uma verdadeira incógnita... É um ser incompleto, defendido e misterioso, sempre apto a desdobrar-se, a confundir-nos.
Um livro tem uma conclusão e uma única alma, aquela que lhe deu existência numa dada época. E as pessoas são eternamente variáveis! Complicadas e irregulares. Não vamos nós tantas vezes com bondade ao seu encontro, para lhes oferecermos o que temos acumulado no coração; doçura ou virilidade? E não voltamos desiludidos? A alma alheia é uma perfeita antagonista da nossa.
Podemos fazer dela a ideia que se faz de um livro, julgá-la definida e característica... mas enganamo-nos. Um livro deixa-nos umas tantas impressões, que se guardam ou que lentamente se dissolvem. E as pessoas têm mil pequenas almas, todas elas vivas e contraditórias. Constantemente inquietas, vaidosas, reprimidas e prontas a saltar.
As pessoas são infinitamente desanimadoras e diversas. E os livros não; são simples. São uns produtos artificiais e ocasionais dos nossos estados; passaram a viver fora de nós, tornam-nos apenas lembrados.
Irene Lisboa
Apontamentos
1943, ed. da autora
desenho de Dante Gabriel Rossetti
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