sexta-feira, 27 de junho de 2008

3 filmes sobre escritores

“Henry and June” de Philip Kaufmann
(1990)






Uma nulidade enquanto escritora e memorável como personagem, Anais Nin não era mais do que uma elegante senhora que escrevia fantasias eróticas, ainda que com uma linguagem a roçar o poético.
Ainda que dela tenhamos apenas histórias desinteressantes como “A Casa do Incesto” ou “Delta de Vénus”, certamente a sua vida terá muito interesse. Assim sendo, não é de estranhar um filme como “Henry and June”.
Maria de Medeiros, no seu primeiro papel fora de Portugal interpreta Anais Nin de uma forma assinalável: tanto pelo físico como pela performance coloca-nos perante uma mulher que em tudo nos surpreende: aparentemente inocente, mas preenchida por desejos e delírios sexuais.
Desejos e delírios sexuais que irá começar a pensar em satisfazer quando conhece Henry, Henry que é Henry Miller, que se cruza com Nin através do marido desta, Hugo, num dos muitos anos que passou a escrever “Trópico de Câncer”.
E é através de Henry que Anais se cruza com June (Interpretada por uma brutal Uma Thurmann.) , por quem se apaixonará quase de imediato.
A premissa, com tudo para ser dramática, evoluiu, tornando-se cada vez mais forte e deixando Nin cada vez mais encurralada, á solta no realizar da sua imaginação.
As personalidades vão então evoluindo e conduzindo uns contra os outros: as frustrações de Miller, a voracidade de Anais, o narcisismo de June, a insciência de Hugo. E nisto, Philip Kaufmann consegue brilhar: filma as cenas com a tensão e o tempo necessário, o sexo com toda a intensidade, os olhares com uma força poética, e as palavras com a importância devida (Tendo em conta que este é essencialmente um filme sobre escritores.).
Mas o que “Henry and June” tem de realmente notável é no retrato absolutamente cru de como a experiência e a vida impulsionam e permitem a arte, muitas vezes em situações que podem, à vista desarmada, ser condenáveis ou sacrílegas, mas que na realidade, são as únicas que realmente movem a criação.

Veredicto: 18/20


“Wilde” de Brian Gilbert
(1997)



Não menos controverso do que Anais Nin, mas certamente por diferentes motivos, Oscar Wilde tinha tudo para ter tido uma vidinha normal: mulher, filhos, talento para escrever, protagonismo e allure. As coisas correram mal quando Wilde descobre que é homossexual, e se inicia numa série de vários engates, que terminam em Lord Alfred Douglas aka Bosie. Por este se apaixona e com este se lança numa vida arriscada (Falamos de um tempo em que a homossexualidade é crime.) que o levará à cadeia, onde passará os mais desgastantes dois anos da sua vida, depois dos quais só sobreviverá mais dois. Alguns destes meses são passados com Bosie.
A película de Brian Gilbert tem sem dúvida uma certa quantidade de intensidade e de densidade narrativa. De uma forma coerente, Gilbert serve-se de contos infantis ou de livros como "De Profundis" para ir articulando os vários momentos da história. Não entra num previsível comportamento de querer engrandecer o personagem de quem fala: retrata-o com os seus defeitos e todas as suas falhas.
O contracenar de Stephen Fry (Wilde) e Jude Law (Bosie) é bom, sendo conseguida a tensão e o atrito pretendidos.


Veredicto: 17/20


“Eclipse Total” de Agnieszka Holland
(1995)






Sem Arthur Rimbaud, a poesia moderna não seria o que é. E sem Paul Verlaine, a vida de Rimbaud certamente não teria sido como foi. Rimbaud era um rapaz simples da província que aos 16 anos já escrevia a poesia que havia de revolucionar o mundo da literatura. Quem recebia esses poemas era Paul Verlaine, a viver em Paris com a mulher, pensando que lia os poemas de um jovem de 21 anos.
Quando Verlaine escreve a Rimbaud "vem alma-gémea, és esperado", e este vem mesmo, Verlaine depara-se com um rapaz mal-formado, rebelde e sem tento na língua, basicamente.
E no entanto, apaixona-se por ele.
Os dois fogem para vários sitios, Verlaine cada vez mais dominado por Rimbaud cada vez mais dominado pelas suas ambições e sonhos.
Relativamente ao filme em si, não fosse este um conto homossexual, e poderia ser passado num sábado á tarde, na TVI. A falta de tensão e de verismo nas cenas mais íntimas é óbvia, e nas cenas de sexo absolutamente escandalosa.
É um filme que não arrisca basicamente nada. E, ao fugir de uma exploração plena da relação amorosa entre os dois poetas, o realizador poderia ter-se focado pelo menos na relação literária que existia entre os dois, mas também isso aparece apenas de vez em quando. No geral, o filme parece ser um video turístico em que os guias são David Thewlis e Leonardo DiCaprio.

Veredicto: 14/20

4 comentários:

Anónimo disse...

Gostei muito das análises que fizeste aos três filmes que relembrei. Na altura em que os vi, gostei muito de Henry and June e do Wilde. Concordo com o teu parecer em relação ao filme sobre o Rimbaud e Verlaine. Foi pena porque até achei que o Leonardo di
Caprio ficava bem como Rimbaud. Quando vi o filme pensei que branquearam de propósito as cenas de sexo. Mas também no caso do Rimbaud e Verlaine não era o motor do encontro. O encontro foi literário e de comunhão pela escrita. E depois acontece que uma grande paixão termina quase sempre de forma trágica. Fica como ícone para a eternidade. Já o amor é outra coisa. Constroi-se.
Andas a ver uns filmes muito literários...

Luís disse...

Há semanas falávamos, cá em casa, deste filme - o «Eclipse Total». Ambos o tínhamos visto na TV, mas de forma incompleta, e gostávamos de voltar a ele. Lendo a tua apreciação, e o comentário da Graça, fico na dúvida se valerá a pena, se ainda valerá... Mas acho que vou arriscar, num destes dias. Sabes se está disponível por cá, em DVD? Eu diria que não!... Abraço,

Supermassive Black-Hole disse...

Não sei se há em DVD. Vi numa cassete VHS, gravado da SIC (Acho eu.)
No entanto, não vale a dor de cabeça de andar a procurá-lo. É um filme dispensável e absolutamente vulgar.
"Henry and June" é, dos três, o melhor, o mais provocador e o que merece todo o esforço para ser visto.
No entanto, deduzo que já conheçam...

Luís disse...

Obrigado, Super. Descobri que está esgotado no mercado, mas teremos em conta o teu conselho (ambos o vimos na TV, mas já esquecemos os detalhes e ficou-nos a vontade de o rever).