segunda-feira, 30 de junho de 2008

A Ronda da Noite de Peter Greenaway

RELATO DE UM CRIME

Certamente uma das mais únicas e emblemáticas do Barroco, a obra de Rembrandt Van Rijn tem inspirado muita da arte que se tem feito posteriormente. Indo ao mais recente apenas, podemos contar o mais recente romance da escritora portuguesa Agustina Bessa Luís, e o novo filme do realizador Peter Greenaway, que partilham o título, “A Ronda da Noite”, título também da obra que os inspirou.
E enquanto que Agustina insere o quadro (Ou uma reprodução.) numa história sua, Greenaway aventura-se a contar a história do pintor enquanto este pinta o célebre e enigmático retrato de grupo, que pode afinal ser também o retrato de um crime e de várias irregularidades (A sombra da mão do personagem central sobre o púbis do homem a seu lado- é preciso lembrar que até há pouco tempo a homossexualidade era punida pela lei.).
A história divide-se essencialmente em dois planos: a execução da “Ronda da Noite” e a vida pessoal de Rembrandt, que se vão fundindo até que o primeiro começa a interferir com o segundo.

Logo nas primeiras sequências, reconhecemos a presença de Greenaway atrás da câmara e o seu toque no que vemos: é aquele cenário que parece mais pertencente ao teatro do que ao cinema, os altos-contrastes, a cor, a teatralidade em tudo. E pouco depois, os corpos brancos e muito naturais (Sem ginásios ou coisas semelhantes.), desta vez numa luz a lembrar claramente a iluminação da pintura barroca, ora focal, ora difusa. É preciso não esquecer que, da perspectiva de Greenaway, a pintura deu origem ao cinema, e se há pintura que realmente dá indicações de movimentação dramática, é a pintura do Barroco.
No entanto, este não é um filme perfeito, apenas por muito pequenas coisas, problemas que até acabam por nem o ser: primeiro é um filme elitista. Quem não pertencer a este mundo da Arte não terá a mínima hipótese de perceber certas partes do filme, as mais interessantes. E depois, há um excesso de bebés a chorar, como se fossem uma banda sonora, e isso é extremamente irritante.
Por outro lado: apenas uma elite terá interesse pela obra de Greenaway, é um cinema muito intelectualizado e nada imediato. E pode haver quem não se incomode como eu incomodo, pelo choro dos bebés.

Cenas a destacar, há o genérico, com um arrepiante violoncelo a irromper de pormenores de “Ronda da Noite”, a cena em que os pormenores do quadro são explicados (A sombra da mão, a rapariga a ser afastada, o cântaro na mão desta, o olho de Rembrandt quase oculto, etc, etc, etc.), e no final, quando o quadro é apresentado, e que nos é finalmente dito que a forma como Rembrandt pinta fez dele um pintor pouco apreciado: Enquanto que noutros retratos de grupo, havia estatismo e a consciência por parte dos modelos de que estavam a ser observados, no de Rembrandt reinava o caos e o movimento, os personagens eram como actores de teatro, e não pareciam ter noção de que eram observados.
Um filme importante para perceber a obra, o tempo, e a pessoa. E mais uma obra-prima de Greenaway.

Veredicto: 19/20

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