quinta-feira, 4 de março de 2010

Joaquim Manuel Magalhães: Um Toldo Vermelho

COMO DESTRUÍR UMA GRANDE OBRA EM MENOS DE 200 PÁGINAS

Que Joaquim Manuel Magalhães ande de candeias às avessas com a própria obra poética não constitui novidade. Já em 1981 veio declarar excluída toda a sua produção desde 1970. Reescreveu os poemas, deu-lhes novas roupagens, fez inúmeros cortes, resultado “Alguns Livros Reunidos”, um livro onde apresenta as, em princípio, definitivas versões dos seus anteriores poemas. A edição, esgotada, foi depois reeditada pela Relógio d´Água em 2001. Outros livros, entretanto, iam sendo publicados, a maioria na colecção Forma da editorial Presença, e, ao que parece, iam construindo uma nova obra sobre alicerces renovados. Quando tudo parece ter corrido bem, nomeadamente com o livro “Uma Luz com Um Toldo Vermelho”, Magalhães anuncia um novo livro, “Um Toldo Vermelho” em que reunirá toda a sua obra.
Dado à estampa ainda esta semana, “Um Toldo Vermelho”, edição da Relógio d´Água, tem numa das últimas páginas esta alarmante nota: “Este volume constitui a minha obra poética até 2001, a que acrescento um poema publicado em 2005. Exclui e substitui toda a anterior.” Mas não estamos, afinal, perante uma poesia reunida. É um manual que explica, capítulo a capítulo, como destruir uma grande obra em menos de 200 páginas.
Ainda que o livro faça alusão a livros passados (Caso de “Envelope”, “Alta Noite em Alta Fraga” e “Segredos, Sebes, Aluviões”- que passa a “Segredo, Sebe, Aluvião”.), qualquer semelhança a qualquer um desses livros é pura coincidência.




“Um Toldo Vermelho” começa, logo nos primeiros poemas, por se mover contra os princípios críticos que o próprio Joaquim Manuel Magalhães há tanto tempo anda a alarviar. São pequenos poemas, quase haikus, anti-discursivos, e, em boa parte, inconsequentes (Alguns fazem lembrar levemente uma página de agenda.). Além disso, como João Luís Barreto Guimarães muito bem viu, é difícil ler estes poemas, pelo menos os iniciais, sem pensar nos tiques do Poesia61, esse happening que, a julgar pela crítica de Magalhães, terá sido do pior que aconteceu à literatura portuguesa.
Mais ainda, a poesia de Joaquim Manuel Magalhães sempre se mostrou altamente original, com ecos muito longínquos apenas. Ao ler este livro, é difícil não pensar em outros autores.
Por exemplo, num poema como este

A manzilla
adquire um toque suicida.
A goela vomita ressaca,
evaporou uma cúpula de linho,
o café um algar telegráfico,
subvertes a sucata submersa
da colecção
(pag. 87)

ou este

Fiada ficava/ hirta, imperativa
hipnótica sirga/ siena carcomido (…)
(pag.89)

é difícil não pensar nos poemas de Fátima Maldonado, primeiro pelo ritmo corrido, e depois pelo léxico que é, nessa poeta em específico, muito demarcado. Ou então num dos poemas inciais, onde lemos

O voo da ampola
na reflexão de um aro,
batalha.

Pêndulo,
tarefa laqueada.
Fossil o ardil em dualidade
(pag. 12)

facilmente nos ocorre a fase inicial de Maria Teresa Horta, profundamente simbólica e enumerativa.
Nalguns casos, também, fica-se com a sensação de se estar a ler um Herberto Helder sem fôlego, algo que relembra um pouco Jorge Melícias, por exemplo aqui

A nortada no alcantil.

Do areal ao campo lavrado
alimenta-se de larva de besouro.

Ao relento catos e o tojo
dobram
e a viseira domina.

O bálsamo,
o inóquo equilíbrio do ar.

Planta migratória,
aí o fuselo pousará.
(pag. 131)

O primeiro dos casos que referi, da página 87, é também exemplo de algo que acontece com frequência neste “Um Toldo Vermelho”: a destruição completa de poemas brutais que estavam em livros anteriores, neste caso, Maig de “Uma Luz Com Um Toldo Vermelho”.
Serve-me esse poema também para referir outro dos aspectos que mais decepciona nesta poesia reunida: o corte de toda e qualquer pulsão erótica. Se falássemos, antes deste livro, de poesia erótica em Portugal, dois nomes eram obrigatórios: o de Joaquim Manuel Magalhães (Numa perspectiva homo-erótica.) e o de Maria Teresa Horta. Depois deste livro, a grande poesia erótica portuguesa é a de Maria Teresa Hora.




A leitura destas quase duzentas páginas não pode senão deixar um travo muito azedo na boca.
É evidente que todos, incluindo Joaquim Manuel Magalhães, sabemos que por ele ter renegado toda a sua anterior obra não signifique que ela deixe de existir. Há livros ainda disponíveis na Presença e na Relógio d´Água e, quanto mais não seja, na BNP ou na Gulbenkian. E claro que o poeta, qualquer poeta, é livre de fazer da sua obra o que quiser, mesmo que seja reduzi-la a lixo, como é o caso. Valham-nos esses livros antigos de Joaquim Manuel Magalhães para o ter como referência, porque, se nos basearmos somente neste, está ao nível de qualquer candidato medíocre a poeta.
Na minha opinião o realmente grave, mesmo assim, é que Joaquim Manuel Magalhães tenha vindo retirar a sua obra poética que era, inegavelmente, uma das mais assinaláveis entre nós, em vez de retirar, por exemplo, todos os disparates críticos que tem vindo a vomitar ao longo dos anos. E à luz deste “Toldo Vermelho”, a primeira coisa a fazer seria enaltecer nomes como o de Fiama, Gastão Cruz, Teresa Horta, entre outros, que realmente agora surgem nas entrelinhas de um poeta que já uma vez foi grande.
Por outro lado, quem sabe se Joaquim Manuel Magalhães não estará a tentar ser um novo Herberto Helder ao, renegando todas as obras, inflaccionar os preços dos seus anteriores livros. Como diz uma sábia amiga minha, "sabe-se lá o que vai na cabeça de uma pessoa...."

5 comentários:

Graça Martins disse...

Concordo com as tuas palavras e acrescento que não adianta branquear a vida, quando ela já foi vivida e deixou sinais.
Felizmente que a beleza dos sinais do JMM estão bem espalhados e chegaram a muitos leitores de poesia. O passado volta sempre...

Supermassive Black-Hole disse...

e também a senilidade, como parece ser o caso.

Anónimo disse...

Acabei uma primeira leitura de Um Toldo Vermelho e estou bastante desiludido.. comigo mesmo... ai meu rico dinheirinho! Como e' que eu, antes de comprar este livro, nao li opinioes de quem ja o tinha lido? Infelizmente, e' dificil encontrar a obra poetica de JMM a nao ser em bibliotecas. Falo da obra poetica mesmo, nao este conjunto de palavras ocas e sem sentido. Concordo 100% com Supermassive. O "poeta" esta' senil. Mas e' isto que ele quer que fique para a historia, a poesia banal de Um Toldo Vermelho, ideias e pensamentos fugazes do "poeta", impossiveis de decifrar pelo leitor. Coisas dele e para ele. Mas ou muito me engano ou era isso precisamente que o "poeta" criticava nos outros "poetas"? A obra verdadeira de JMM, a originalidade, o talento, esses, ele nao quer que fiquem para a historia. Ficara pois para sempre enterrada nos arquivos das bibliotecas publicas. Para as geracoes futuras, JMM sera apenas um exemplo de um poeta mediocre, uma vez o que elas verao sera apenas estas 200 paginas de banalidades. A nao ser que alguem se lembre de reeditar Alguns Livros Reunidos ou os outros livros. Se o "poeta" deixar, claro. Confesso que tenho alguma pena do "poeta" e da sua senilidade... Seria muito melhor passar 'a reforma imediatamente, antes que faca pior do que este Toldo Vermelho. Hummm, nao, pior e' impossivel... Exigo meu dinheiro de volta.

Unknown disse...

Quando não entendem um dos melhores poetas portugueses, assim o consideravam tantos antes da morte de Herberto: o melhor depois de Herberto, desencadeiam um coro de insultos baseados no bom gosto, na escrita bonita, inteligível, escolar, pret a Porter, de supermercado (odeio este tempo detergente...) sem avançarem sequer no essencial esforço de interpretação do que JMM escreve, palavras difíceis, hoje revendo o passado sob um olhar diferente, amargurado, desentendido...

Unknown disse...

Carlos Matias