sábado, 28 de fevereiro de 2009

os conselhos que me deixam

neste caso, a minha amiga Guida, que, numa fase de maior desorientação (=ontem à noite.) me sugeriu que fizesse uma lista das coisas que gosto e que não gosto na minha vida, a ver se me oriento. Há um ano atrás, eu não acreditava em psiquiatria, em psicanálise nem em psicologia. Depois comecei a acreditar. Reconheço que há "tratamentos" que uma pessoa deve fazer. A Guida está em Psicologia, e o conselho não foi mau. Fiz essa lista, que fica aí em baixo, e já sei o que tenho para resolver nos próximos tempos. O problema é que "próximos tempos" parece-me ser sinónimo de "próximas vidas". Só que eu não sou um gato.

Gosto dos meus cigarros. Gosto de os fumar no café. Gosto mais ainda de os fumar deitado em cima da minha cama. Gosto mais ainda de os fumar deitado em cima da minha cama nu.

Gosto de passear pelo Porto. Gosto mais se estiver nevoeiro. Gosto ainda mais se estiver em ruas que não conheço ou não conheço bem. Perfeito é se estiver nevoeiro e estiver em ruas que não conheço ou não conheço bem. Gosto de ir a reparar nas fachadas das casas, e sonhar que um dia vou reabilitá-las a todas. Gosto de ir a apreciar as pessoas que passam.

Gosto da Rua do Relógio. Vou para lá à noite quando preciso de pensar. Passa sempre alguém que pensa que eu estou a preparar-me para me atirar do viaduto abaixo. Mas não me ocorreu até agora. Gosto de ficar a ver os carros lá em baixo. Gosto mais se estiver a ouvir "January (Black Dove)" da Tori Amos.

Gosto de festivais. Também gosto de concertos normais. Mas gosto mais de festivais, de andar aos encontrões, de me desviar dos palermas, de me desviar de quinhentas cervejas que caem ao chão, e do cheiro a ganza pelo ar. Não gosto muito de cerveja. Só bebo porque é barato.

Mas gosto de Baileys. Também gosto de Vodka Preta. E também gosto de Absinto.

Gosto de escrever em bares, com música alta e muito basqueiro. Também gosto de escrever em cafés. Também gosto de escrever nas aulas teóricas.

Também gosto de ruas decadentes. São bonitas. Gosto de me sentar nos cafés rascas dessas ruas a esboçar mapas dos esquemas das ruas.

Gosto de ver a cidade a amanhecer. Não gosto que para isso tenha que passar a noite em claro. Mas gosto de sair de casa quando a aurora começa. E gosto de me sentar no café a olhar lá para fora enquanto as ruas se enchem e o café também.

Gosto de ir a Lisboa uns dias de vez em quando. Gosto dum café qualquer que há na Gare do Oriente. Também gosto de andar de comboio.

Gosto de dormir. Principalmente se não tiver nenhuma hora a que seja obrigado a levantar-me. Sabe-me melhor acordar às nove para ir até ao café ou dar uma volta do que acordar às onze sabendo que às duas tenho que estar na Faculdade.

Gosto de andar pelos alfarrabistas, a fazer quinhentas perguntas. Gosto principalmente quando sei mais que eles e consigo livros que valem 50 euros por 5, por exemplo.

Gosto de ficar a olhar para a estante dos meus livros. E tenho um grande prazer masoquista em perceber que a minha casa já começa a ficar sem espaço para eles.

Gosto do barulho dos carros enquanto tento adormecer. Não gosto do som dos bêbados. Quando estou bêbado tento ser um bêbado silencioso.

Gosto de apreciar um bom escândalo. Se não tiver nada que ver comigo.

Não gosto que parem para falar comigo quando eu estou obviamente com pressa. Mesmo que não me vejam há muito tempo.

Não gosto de dinheiro. Gosto de o ter. Mas irrita-me a dependência que temos dele.

Não gosto que me culpem de coisas que eu não tenho culpa. Também não gosto que me berrem. Principalmente, não gosto disto: berram-me, depois eu berro mais alto e dizem-me aos berros que não berre.

Não gosto nada de ficar ressacado. Acho que não há nada pior.

Não gosto da Lili Caneças. Às vezes cruzo-me com a figura dela no televisor, e quase vomito. Também não gosto do Vasco Pulido Valente.

Não gosto que me sorriem enquanto são desagradáveis. No espaço de três anos tive três profs assim e sempre tive desejos de os alvejar.

Não gosto de acusações. Principalmente as injustas.

Não gosto do preço do café no café onde tomo café. Também não gosto do facto de ser o único com sala de fumadores nas redondezas.

Não gosto que me tratem por você. Também não gosto do meu nome. Também não gosto muito que me tratem, sequer.

Não gosto que digam que eu sou sociopata ou anti-social porque acho que isso não é verdade. Ou pelo menos muito verdade.

Não gosto (Não suporto.) que façam de mim parvo. Por norma são mais parvos que eu e eu percebo o que estão a fazer e apetece-me arrancar-lhes os olhos.

Não gosto que me mexam muito. Consigo manter uma conversa sem ter que me abraçar ou tentar arrancar um braço à pessoa que está a falar comigo. Algumas pessoas não faz mal, mas por norma não gosto.

Não gosto que não gostem que em chame "Minha querida" às minhas amigas ou "Meu caro" aos meus amigos, por pensarem que estou a ser cínico. Não sou muito cínico. A maior parte dos dias. Gosto de me considerar mais sarcástico do que cínico.

Não gosto do nosso bispo que falou no outro dia dos casamentos gays e inter-religiosos. Também não gostei que ele falasse "axim".

Não gosto de pessoas conservadoras. Também não gosto de pessoas religiosas. Também não gosto de pessoas que me pedem que não fume à beira delas. Também não gosto de pessoas que encaram as minhas tentativas de ser simpático com um engate. Também não gosto das pessoas que julgam que eu sou transparente. Quem também não suporto são aquelas pessoas que me atribuem características delas mesmas. Também não gosto que me digam que não me posso ir abaixo e que não devo pensar no que me magoa- Gosto que respeitem os meus lutos se eu tiver que os fazer.

Não gosto de ás vezes no café estarem a ver o "Você na TV". Porque não gosto do Goucha nem do riso estúpido da Cristina Ferreira.

Não gosto de até estar a gostar de Ugly Betty. Principalmente acho que não devia gostar tanto da Wilhemina e do Marc.

Não gosto que me peçam para mentir, porque quando minto, até eu sinto o tom de insegurança na minha voz.

Não gosto de às vezes ter que mentir. Principalmente porque minto muito mal.

Também não aprecio a verdade, a maior parte das vezes. Mas reconheço que pode ser útil sabê-la.

Não gosto que as pessoas discutam alto no café. Gosto menos ainda se eu estiver envolvido na discussão. E gosto ainda menos se fôr eu a discutir alto e só perceber isso meia hora depois de ter começado.

Não suporto que confundam o meu silêncio com tristeza.

Não gosto de padres. Também não gosto de freiras. Nem de freiras laicas. Nem do Daniel Faria. Odeio beatas.

Não gosto que as pessoas me digam que confiaram em mim logo a primeira vez que falaram comigo. Gosto ainda menos que isso seja verdade. E gosto ainda menos que o provem contando-me detalhadamente pormenores da sua vida. Gosto menos ainda que me perguntem se estão a ser chatos quando o fazem.

Não gosto que me atirem com perguntas pessoais num lugar cheio de gente.

Não gosto que me digam que estou a tomar uma decisão que não quero tomar, quando eu digo o oposto.

7 comentários:

Anónimo disse...

Parece-me que tenho de deixar um comentário, visto que fui eu quem te deu esse conselho... Aqui a tua amiga Guida também não acreditava em Psiquiatria/ Psicologia, mas hoje sabe que nem sempre conseguimos resolver os nossos problemas by ourselves. We are not gods, we fail, we get hurt, we fall, we get sad, and sometimes we can't get up unless we ask for help. I'm glad u followed my advices. Um dia mais tarde eu faço-te um desconto nas consultas, lol.

Guida

Supermassive Black-Hole disse...

and i´m living off of grass
and the drippings from the ceiling
and it´s ok to eat fish
cuz they don´t have any feelings...

something in the way...

Graça Martins disse...

ADOREI este streap tease em público...Tiveste coragem.
Mas confesso que o privado é mais perturbante. Sempre se aproxima do "divã do Freud" e a minha veia para a "psicanálise" fica mais receptiva ao transfert.
Um beijo
Graça

Supermassive Black-Hole disse...

e eu gostei da expressão "strip-tease"- eis algo que nunca me tinha ocorrido fazer... as voltas que a vida de um gajo dá.

Graça Martins disse...

Todos os poetas, a começar por Beaudelaire, gostavam de absinto.
Será que dá clarividência, torpor dos sentidos ou expande as zonas sensoriais???

Anónimo disse...

Só digo isto:
também nao gosto da freira laica..

mas isso acho que ninguem gosta..e 'so digo isto' (e agora ja estou a dizer mais que 'isto' - que agora é aquilo) pq me lembrei de ficarmos todos parvos quando a viamos...é uma personagem e pêras, ou laranjas como queiras...ainda por cima autista como alguem um dia disse...

Um beijo (porque segundo aquelas senhoras '2 é pa casar'...)
Raquel

Anna Relvas disse...

Também não suporto que confundam o meu silêncio com tristeza e o que me irrita mais que tudo é encontrarem-me no café e atirarem-me com aquela piedade velada do "então, aqui sozinha?" ... e só me apetece dizer "Graças a Deus". Mas não costumo dar-lhe graças logo é mais um desabafo estilístico e chocante do que outra coisa... Nice piece of writing!