segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Herberto Helder:A Faca Não Corta o Fogo

ABRUPTO PESADO POEMA

Há uns dias uma amiga minha disse-me que não está a gostar muito do novo romance de José Saramago. Colocou a hipótese de tal opinião se dever a não o ter lido todo, ainda; mas uma consideração destas é certamente permitida apenas ao cidadão anónimo. O crítico, ou o crítico comum, não se atreve a criticar negativamente uma obra de um autor de reconhecido mérito.
No entanto, eu não sou um crítico, sou um mero blogger, mais ou menos anónimo, e ainda me posso dar ao luxo de criticar negativamente um autor de reconhecido mérito.
Não vou falar do novo romance de José Saramago porque, para minha vergonha, ainda nem o comecei a ler. Vou falar, isso sim, de “A Faca Não Corta o Fogo” de Herberto Helder, e o leitor já deve ter percebido que vou dizer mal. Não vou dizer só mal, mas isso vê-se já.
Herberto Helder maravilhou a crítica e os leitores de poesia com “A Colher Na Boca” de 1961 (Ainda que já tivesse dado à estampa o folheto “O Amor Em Visita” três anos antes.). Prosseguiu com pontos altos como “Poemacto” (1961), “A Máquina Lírica” (1964), “Cobra” (1977), “O Corpo O Luxo A Obra” (1978), “A Cabeça Entre As Mãos” (1982) ou “Última Ciência” (1988), ou com os contos de “Os Passos em Volta” (1963) ou “Photomaton & Vox” (1979).
A partir do início dos anos 80 deixa de dar entrevistas, silencia-se a não ser na própria obra, resultado: é mitificado.
Não me vou estender partilcularmente na minha opinião sobre o artigo no Ipsilon sobre este assunto, mas digo isto: é absolutamente ridículo que alguém (Alguém que é Hélia Correia.) diga “como é possível escrever depois de Herberto Helder?”, e é ridículo que se mitifique tanto um autor, com coisas que muitas vezes não são muito exactas, como o elogio à originalidade do título “Herberto Helder ou o Poema Contínuo”, quando, em 1981, foi publicado um livro chamado “Poesia Contínua”.
Quero com isto dizer que uma coisa é Herberto Helder ser um dos maiores poetas vivos, o que considero verdade, outra coisa é fazer dele um deus inigualável, o que considero uma enorme mentira.
Aparte de questões paralelas à obra propriamente dita, é verdade que Herberto já nos deu alguns dos mais belos textos a constar na poesia portuguesa, e é verdade que já escreveu livros assinaláveis, e que tem um percurso muito particular no que toca às suas edições.
No entanto, “A Faca Não Corta o Fogo”, publicado com grande escândalo após um hiato de 14 anos, vem contrariar tudo isto: primeiro, é feito um livro de capa dura (De um autor que tantas vezes publicou folhetos.), que fica no centro de uma campanha comercial/consumista absolutamente vergonhosa.

É-nos apresentado como “Súmula e Inédita”. Um dos aspectos que achei particularmente interessante no artigo do Ipsilon foi dizerem que Herberto reescreve constantemente a sua obra. Ao longo da súmula, alguns dos poemas aparecem exactamente como no volume de “Poesia Toda”, e noutros, as alterações resumem-se a suprimir uma vírgula ou acrescentá-la, ficando o leitor sem perceber se se trata de uma reescrita ou da correcção de uma gralha de tipografia.
O título do livro provém de um ditado grego que diz “não é com uma faca que se corta o fogo”. Num dos poemas, Helder dirá “eu, que tenho o dom das línguas, senti/ a linha sísmica atravessando a montagem das músicas,/ e ouvi chamarem-lhe lírica,/ numa língua nenhuma que não sabia,/ e os acertos e erros do meu nome não eram traduzíveis/ nas línguas do meu dom,” (pag.169). Podemos daqui retirar uma leitura simples: há certas impossibilidades que na poesia se tornam possíveis, são possíveis enquanto palavras, intraduzíveis, mas são inacessíveis a um objecto físico- a faca, neste caso.
É neste tipo de “momentos” que esta poesia parece mover-se: a descrição de momentos, de movimentos interiores, de forças invisíveis, do amor ou da própria escrita, sempre com a noção de que há algo que as transcende e que só é atingível pela poesia.
Por isso mesmo, é de estranhar que surjam poemas mais fracos, onde parece que este “lirismo” vem dar lugar a um relato de uma situação em tudo prosaica, o discurso de uma prostituta ou um aluno a falar para um professor. São momentos que certamente terão o seu quê de poético. Mas, há que ter em conta que este livro segue o protocolo de “O Poema Contínuo” em que os poemas surgem seguidos, separados apenas por estrelas, o que só reforça a sua sequência. E no meio da beleza de passagens como “cabelos amarrados quentes que se desamarram,/oh, quero-te em volta de luz batida,/em língua máxima (…)” (pag.137), torna-se ainda mais esquisito que haja estes laivos de algo mais “mundano”.
Concrectamente, no que toca aos inéditos, Herberto Helder está longe de estar no pico da sua originalidade ou qualidade. É certo que econtramos aluguns poemas belíssimos e ao nível dos livros que fizeram a história deste autor, no entanto, não se pode dizer que “A Faca Não Corta o Fogo” traga algo de particularmente novo ao que Herberto já escreveu anteriotrmente. A este facto, acrescente-se que há ainda poemas absolutamente herméticos ou completamente dissidentes daquilo que, em maior número, constitui esta obra.
É também significativo que o último poema diga “abrupto termo dito último pesado poema do mundo” (pag.207). Uma ideia que dá muitas ideias. A pensar.

3 comentários:

Graça Martins disse...

Parabéns
Quem é livre pode opinar.
Já são poucas as mentes livres, neste país.
Todes estão comprometidos com qualquer coisa: uma editora, um autor conhecido, o partido, enfim, é amigo de, o vizinho...o jornalista, o amigo que faz a crítica para a imprensa.
"Meu Deus faz com que eu seja sempre um poeta obscuro"
Até quando??
A tortura para arranjar o livro foi pior que as senhas de racionamento numa guerra. NÃO ACEITO ESTE COMPORTAMENTO DA EDITORA E DO POETA. Puro acto capitalista decadente.

Anónimo disse...

os poemas não estão separados por "estrelas", estão antes separados por asterismos.

"O Poema Contínuo"? ou antes " Ou o Poema Contínuo"

a última entrevista que HH concedeu não foi nos anos 80, foi em 1968.

enfim, quem pouco ou nada sabe acerca de poesia e não conhece, neste caso, a obra de HH mais valia estar calado.

no mínimo mediocre, ridículo este post. Eu teria vergonha.

José Medeiros

Supermassive Black-Hole disse...

Mui caro José Medeiros

eu diria que quando muito são "asteriscos", não sei o que são "asterismos". mesmo assim, digo eu, que andei em artes, que os asteriscos têm 6 pontas, ao contrário dos símbolos que surgem no livro, que têm 5, daí eu dizer que são estrelas.

no entanto sei o que são "histerismos" (ou histerias) que é o caso.
Conheço a obra completa do HH com excepção do livro "Apresentação do Rosto", e, sim, ele deu entrevistas nos anos 80, posso garantir.

Mais ainda, não me parece que o "Ou" faça grande diferença. O que eu queria dizer é que existe um livro com o nome "Poesia Contínua", ao qual encontrei referências na Colóquio-Letras. Pode confirmar se lhe apetecer. O "OU" pouco ou nada importa na ideia que queria transmitir.

enfim, quem acredita em semi-deuses e pensa que sabe de poesia, mais valia estar calado.
É por causa de ceguinhos como o sr/dr/whatever que depois as editoras se podem dar ao luxo de entrar nestes esquemas capitalistas. O que interessa é a poesia. O que estão a fazer é criar semi-deuses, e desses estou fartíssimo. O Herberto Helder já escreveu bons livros, o último é inconsequente. Percebo que haja quem não coloque a hipótese de um autor ir perdendo qualidades. No entanto, é preciso analisar as coisas a frio. Este livro serve para deixar ao lado da sanita comparado com "A Colher Na Boca" ou "Cobra".

no mínimo posso dizer que é uma questão de opinião. Não é algo de que alguém se deva envergonhar.
pelo menos quem tem uma. e nisso somos diferentes.