Mostrar mensagens com a etiqueta Cruzeiro Seixas. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Cruzeiro Seixas. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Poema 7


à minha frente caminha
uma silhueta de mulher,
linha esquecida, em passo lento,
na palidez do asfalto

(compadeço-me e pergunto-lhe
as horas. respondo que é
fim de tarde. contemplo o
meu desenho terra dentro).

assim se prova que
a um corpo abandonado
nada resta além da sombra.

Renata Correia Botelho
Avulsos, Por Causa
2005, separata da revista Magma
desenho de Artur do Cruzeiro Seixas

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Projecto de Sucessão



Continuar aos saltos até ultrapassar a Lua
continuar deitado até se destruir a cama
permanecer de pé até a polícia vir
permanecer sentado até que o pai morra

Arrancar os cabelos e não morrer numa rua solitária
amar continuamente a posição vertical
e continuamente fazer ângulos rectos

Gritar da janela até que a vizinha ponha as mamas de fora
pôr-se nu em casa até a escultora dar o sexo
fazer gestos no café até espantar a clientela
pregar sustos nas esquinas até que uma velhinha caia
contar histórias obscenas uma noite em família
narrar um crime perfeito a um adolescente loiro
beber um copo de leite e misturar-lhe nitro-glicerina
deixar fumar um cigarro só até meio
Abrirem-se covas e esquecerem-se os dias
beber-se por um copo de oiro e sonharem-se Índias.






António Maria Lisboa
Poesia
1995, ed. Assírio e Alvim
desenho de Artur do Cruzeiro Seixas

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Ultrabiográfico




Que sexta-feira de estilhaços!
(na via-sacra é a paixão)
Se já morri foi nos meus braços
Por não haver ressurreição.

Cheguei a esta mitologia
Como os ciganos, pelo caminho.
Na minha humana eucaristia
Não há o pão. Só bebo o vinho.

Deixem ao céu a concordata
Com uma flor, se lhe apetece.
Mas não me mostrem santos de prata
Como quem mostra o que padece.

Para Jeová, sofro de mais.
Para o demónio, sofro de menos.
Prefiro os olhos dos animais
E o meu vestido de ver a Vénus.

Natália Correia
Passaporte
edição da autora, 1958
imagem: Artur do Cruzeiro Seixas

sábado, 18 de julho de 2009

poema inaugural de Miriam Reyes


Mi padre enfermo de sueños
en el asfalto incandescente de cien mil mediodías caminados
bajo el sol en vertical
perdió sus pies
y apoyado en sus rodillas sigue buscando
el camino de vuelta a casa.
Mi padre sueña,
rendido por el cansancio,
que vuelve a su tierra y planta sus piernas y le crecen pies jóvenes
y la savia de su tierra negra le alivia el dolor de las arrugas
y resucita sus cabellos muertos.
Luego despierta en un piso alquilado a la ciudad de los huracanes de la miseria
y blasfema y maldice y no tiene amigos.
Escondido en la noche
papá llora por las certezas que lo defraudaron.
Del otro lado de su piel
mamá llora por mamá
mamá llora por su casa que ya no habita
y por paz y reposo y risa.
Papá y mamá lloran
cada uno a espaldas del otro en la cama
en el más crudo estruendoso hermoso silencio
que modula en frecuencias infrahumanas
sonidos que se articulan como palabras:
“si aquí no estan mis sueños
cómo puedo dormir aquí”.
Y que sólo yo escucho
con la cabeza enterrada en la almohada.
Concebida de la nostalgia
nací con lágrimas en el sexo con tierra en los ojos con sangre en la cabeza.
No soy lo que soñaron
como tampoco lo son sus vidas.


Miriam Reyes,
Espejo Negro, 2001
dvd ediciones
imagem; ARTUR DO CRUZEIRO SEIXAS