Mostrar mensagens com a etiqueta Jorge Gomes Miranda. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Jorge Gomes Miranda. Mostrar todas as mensagens

domingo, 8 de maio de 2011

Contagem Decrescente

Acompanhas a passagem de mais um ano
com humor negro
e juras de mudança de vida.

A teu lado os amigos
comprometem-se – pelo menos esta noite –
a não deixar que diante de ti se abra
um abismo de sujeições.

Mas pouco a pouco
distrai-os a contagem decrescente,
um fogo-de-artifício
no céu televisionado.

Habituaste-te
a acertar as horas
pelo rumor de uma estrela,
acendendo cigarro atrás de cigarro,

embora às vezes ainda esperes
Qualquer recompensa
do tempo inamovível.




Jorge Gomes Miranda
Postos de Escuta
ed. Presença, 2003


pintura de Isabel de Sá

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Mola da Roupa


Conservei-me afastada do estendal
durante algum tempo.
Sofro de vertigens, por isso
intimidava-me olhar para baixo,
o pátio vazio, restos de flores secas.
Um prédio com dez andares
e ele tinha logo que viver no último,
tendo como horizonte o mar
de terraços e antenas parabólicas.

Quando, chegado com a roupa
da máquina de lavar,
pega em mim,
de suas mãos eu deslizo para o chão.
Apressado, em vez de me apanhar
imediatamente, escolhe outra;
no final, atira-me para o cesto
de verga.

Não é que seja particularmente ardilosa,
mas verdade seja dita, preferia ser
mola de rés-do-chão,
dessas que faça sol ou chuva
sempre prendem a roupa numa corda
estendida no pátio.
O destino quis-me feita de plástico,
com um coração inclinado à melancolia.
Tenho, no entanto, como divisa
antes quebrar que torcer.

Sonho com o dia em que nas mãos da criança
serei um comboio.

Jorge Gomes Miranda
O Acidente
2007, ed. Assírio e Alvim
imagem de Adriana Molder