1. A abstenção
66,09% dos cidadãos portugueses com idade para votar escolheram não o fazer nestas Eleições Europeias. Há sempre quem diga (por norma o ou os derrotados) que, em casos assim, quem venceu foi a abstenção. Infelizmente, é até certo ponto verdade. A maior parte das vezes, quem se abstém fá-lo (ou assim o diz) por duas razões: como forma de protesto, ou então por não achar importante votar, neste caso nas Europeias. Em ambos os casos, parecem-me razões pobres. Como forma de protesto, torna-se ineficaz, pois abdica-se de um direito com o objectivo de, em princípio, nos manifestarmos contra o que sentimos como um ataque precisamente aos nossos direitos ou à nossa dignidade enquanto cidadãos; e, no fim de contas, houve quem votasse, houve resultados e esses resultados são válidos e aqueles que quisemos punir tiveram resultados, mais satisfatórios ou menos, sem precisar do nosso contributo. Achar que determinadas eleições não são importantes ou não nos dizem respeito deveria ser razão para procurarmos saber por que, se esse é o caso, nos pedem que votemos; em última análise, esta é uma desculpa que, através de uma ideia pré-concebida (a de que a Europa não nos diz respeito) justifica o prolongar de uma ignorância relativamente ao assunto. Na Europa, o Luxemburgo, a Bélgica e a Grécia têm voto obrigatório. Talvez essa fosse uma boa opção para Portugal. Num país que celebra, este ano, 40 anos de democracia e, portanto, 40 anos de direito ao voto, conquistado pelo sofrimento e pelo sacrifício daqueles que se opuseram ao Estado Novo é simplesmente inaceitável uma abstenção que roça os 70%.
2. O problema europeu
No seu ensaio 'A Identidade cultural Europeia', o poeta Vasco Graça Moura, que foi também Deputado Europeu, explica como há, em Portugal e não só, o grave problema de não nos sentirmos europeus, senão quando a Europa nos soa a estratégia de saída para os problemas nacionais. É um facto que a Europa nos diz pouco e, em bom rigor, mesmo entre os poucos que foram votar hoje, é discutível quantos têm verdadeira consciência do que está em causa. Não faltou quem votasse nas Europeias para agoirar as futuras Legislativas, não faltou quem votasse em Partidos portugueses que, bem vistas as coisas, integrarão grupos outros em Bruxelas. É difícil, ainda, compreender ao certo para que elegemos os nossos deputados europeus. Até certo ponto, os grandes responsáveis são os nossos dirigentes políticos. É a eles que cabe o esclarecimento dos objectivos de uma eleição. No meu ponto de vista, é sempre função de qualquer cidadão informar-se, mas há questões das quais os dirigentes políticos não podem fugir. Mas os dois principais partidos são também parte interessada em perceber quem querem os portugueses castigar e recompensar pela política interna. Um esclarecimento do verdadeiro sentido das Eleições Europeias correria o risco de acabar com um precioso barómetro que, conquanto dê (mais) algumas luzes aos partidos quanto às intenções de voto dos portugueses, não tem na prática o valor que deveria ter.
3. Leituras, elações, distorções
Um dos aspectos mais interessantes nos discursos dos dirigentes e candidatos de hoje foi a pouca atenção que recaiu sobre o papel que os eleitos terão na Europa. A maioria dos discursos prendeu-se quase exclusivamente com as próximas Legislativas. Não seria inusitado pensar que, particularmente PS, PSD e CDS-PP investiram nas Europeias como quem investe numa sondagem. Se os próprios portugueses que votaram nestas eleições o fizeram para anunciar o que planeiam fazer nas próximas Legislativas, isso não deve ser ignorado pelos partidos, evidentemente. Por outro lado, apenas o PCP teve um resultado que garantisse, nesse sentido, segurança suficiente para lançar uma proposta (a de uma moção de censura). Tanto Francisco Assis como António José Seguro, do lado do PS, reiteraram reiteradamente a vitória do partido, no entanto, parece, com consciência de que a ''grande'' vitória do PS não foi nem por sombras a vitória que o PS esperava.