segunda-feira, 19 de outubro de 2009

A Urna no Deserto



Já não páras ao som das laranjeiras,
o silvo da paixão amorteceu,
o lacerar dos grifos
agita devagar a romãzeira,
horizonte vivaz anoiteceu.
Ardem sevícias nos pálios das comédias,
ruem gonzos nos pátios das contritas,
repúdios acontecem em vésperas de concílios,
impedem-se os quebrantos nas rotinas,
fere-se a uva no copo de cristal,
o bago não ateia contusões
nem cega a fruta o gume do cilício
e vibra o pulso ao impedir a dança.
Círios amortinados não acendem,
o leito não acolhe favoritas.
À sombra da cintura a magnólia
urge pavões,
cisma na voz ausente desespero,
range areia no triângulo da pata.
O trípode da morte encosta-se à coluna
e o vento não abriga, da roseira, a urna no deserto.



Fátima Maldonado
"A Urna no Deserto"
1989- edições frenesi (esgotado)




imagem: Graça Martins, "Ofélia"

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