Estou sentado nesta mesa faz muito tempo, ainda que eu não saiba quanto. Á minha volta soa repetidamente "Don´t Bring Me Down" de Sia Furler, o que me conduz ainda mais á escusa do pensamento. Julgo que há luz lá fora. E vento. Muito vento. Olho vagamente pela janela, vejo que o vento empurra o arbusto que o sol ilumina. E eu estou cá dentro. Estou cá dentro e estou a cair lentamente ainda mais para dentro. Ontem á noite, aparei a barba para que a cara me ficasse mais luminosa, numa tentativa esquisita de parecer menos triste. Olho-me ao espelho e só me falta a barba, o resto está igual.
Penso provavelmente em ti. Nos restos do teu rosto que não se me apagaram da memória. São esses restos que deslizam pelo meu corpo adiante, que desmancham tudo o que já estava ganho. Fecho os olhos. Tu sais devagarinho das trevas, e eu fico a ouvir-te respirar baixinho, a precisar de alguma coisa. A tua cara deita-se levemente sobre o meu peito. E tudo desaparece, "estou cego, estou cego, estou cego" ou talvez seja porque tudo fica desfeito porque afinal existo, porque nos tornamos num só, porque os teus olhos se tornaram no céu.
Abro os olhos. Percebo que caí mais ainda, que não parei, de facto. Não estou cego, nada está desfeito, existo, não somos um só e os teus olhos ainda são o céu.
IMAGEM:KAZEMIR MALEVICH
1 comentário:
Está qualquer coisa de genial!
Grande texto. keep going ;)
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