Gostava de música, quando tocada num quarto
andar, à noite, entre poucos amigos e uma garrafa
de aguardente. Nunca lera Rimbaud: a literatura,
para ela, era um equívoco. Mas escrevia poemas; e neles,
entre citações e lugares comuns, inscrevia-se
algo da sua alma. Amei-a; não especificamente o ser
físico, o corpo, a pele, embora me lembre dos seus
lábios e, por vezes, das mãos. Mas havia um modo
de estar, uma inquietação, fragmentos de uma alegria
indefinida que, por fim, se transformava num silêncio
de desespero- tudo de acordo com a época,
penso. Desenhos obscuros em guardanapos de papel,
crises de misticismo sobrevivendo à tardia luz
do crepúsculo, livros de bolso, três ou quatro cafés por dia.
Nuno Júdice
"O Voo de Igitur Num Copo de Dados"
1981, edição &etc- esgotado
Imagem: "A Noite" de Ferdinand Hodler
4 comentários:
Gostei tanto de ler esta prosa poética do Nuno Júdice e acompanhada do Hodler com o seu quadro "A Noite". Muito bem pensada esta ligação.
Adoro o Simbolismo.
foi uma pena não colocar o hors-texte do livro (eh eh).
Acho o Nuno Júdice muito bom, e este livrinho é uma preciosidade muito bem escondida, infelizmente.
Quem mo ofereceu tinha mesmo muito bom gosto... (eh eh)
gostei muito de "a lira de liquen" do nuno judice. não conheço este livro. está no catálogo da &ETC?
faz parte da colecção Subterrâneo Três, é o nono desta colecção. É também o segundo de dois livros que o Nuno Júdice tem nesta colecção. O outro é "Antero-Vila do Conde", uma peça de teatro a duas vozes sobre a fase final da vida de Antero de Quental (este livro é o 3º da colecção)
INFELIZMENTE ambos os livros estão esgotados desde o ano em que foram lançados. E julgo que nenhum dos dois foi reposto nas antologias ou obras poéticas do autor. Não sei se ele rejeitará estes livros, mas se o faz, discordo. É uma pena.
Enviar um comentário