sexta-feira, 15 de maio de 2009

Maria Teresa Horta: Educação Sentimental

ANATOMIA DE TERESA



As polémicas entre o estado novo e Maria Teresa Horta começaram em 1971, quando esta publicou, na colecção Cadernos da Poesia da Dom Quixote “Minha Senhora de Mim”. O livro de poesia anterior, “Cronista Não é Recado” (Guimarães-Poesia e Verdade, 1967) já demonstrava uma certa vontade de alteração no percurso que a autora iniciara em 1960 com “Espelho Inicial” (Sylex), vontade que seria confirmada pelo romance “Ambas as Mãos Sobre o Corpo” (Europa-América, 1970).
No entanto, esta mudança só se tornou plena com “Minha Senhora de Mim”. A apreensão do livro pela pide, a que se sucederam as ainda mais polémicas “Novas Cartas Portuguesas” com Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa, a que se seguiu o processo das Três Marias, acabaram por “abafar” um pouco esta profunda ruptura com a obra poética da autora, que contava já mais oito títulos, entre os quais constava “Tatuagem”, participação nos folhetos de Poesia 61.


Em 1975, no entanto, “Educação Sentimental” veio reforçar esta mudança, e de uma forma ainda mais profunda, aspecto ao qual não é alheia a liberdade de expressão conquistada pelo 25 de Abril. Mais profunda, no sentido em que aborda mais directamente quer a linguagem do erotismo e da sexualidade, quer as manifestações de feminismo, e de um ponto de vista feminino sobre as coisas e, acima de tudo neste caso, sobre a sexualidade. Não é ao acaso que a poetisa considera este livro “um acto de pura insubordinação”, e “um dos [s]eus livros mais subversivos” em entrevista ao JL (nº1004).
É necessário ter em conta também que o título deriva assumidamente da “Educação Sentimental” de Gustav Flaubert. Nestas “lições” de Teresa Horta, há como que a intenção de educar não os homens, mas o geral dos leitores, incluindo as mulheres, acerca do corpo e da sexualidade feminina. Nisto, são importantes as citações que abrem e encerram o livro, entre as quais uma de Shulamith Firestone que afirma que “As mulheres conhecem e aceitam tradicionalmente a invalidez emotiva dos homens, ao mesmo tempo que a acham intolerável numa mulher)”.
No poema introdutório, Maria Teresa Horta escreve “Não tenhas medo/ daquilo que te ensino…” (pág.11). E efectivamente, os poemas que constituem “Educação Sentimental” fazem justiça ao título.
A divisão da obra é em três partes. A primeira parece ser uma auto-análise (Apesar da psicanálise se revelar elemento essencial na obra de Teresa Horta principalmente nos anos 80, a sua poesia sempre teve uma forte componente analítica.) como se pode ver em versos como “Não deixo que as coisas/ me dominem/ nem que a vasta secura/ me adormeça” (pág.19) (Possível referência à tentativa de a silenciarem na época de “Minha Senhora de Mim”?). A segunda parte incide mais numa espécie de análise do amor sentido, dirigindo-se ao seu receptor, “Que te interessam/ a ti/ meus meigos sustos// se nos seios/ os adormeço/…” (pag.46).
A terceira debruça-se sobre o corpo, o já dito corpo sentido e experienciado de e por (Simultaneamente.) uma mulher, “Digo do corpo,/ o corpo:/ e do meu corpo,// digo no corpo/ os sítios e os lugares// de feltro os seios/ de lâminas os dentes/ de seda as coxas/ o dorso, em seus vagares.//(…)” (pág.93).
Em todas as secções, os assuntos são abordados de uma forma “erotizante” e “sexualizante”, contrariando as tendências de frieza e ignorância que as citações iniciais e finais denunciam.
O estilo da autora mantém-se sempre ancorado na extrema economia de palavras, na criação de ritmos definidos, e uma forte âncora no cancioneiro português, e é este estilo, apoiado em momentos de grande originalidade como esta “Educação Sentimental” que fazem de Maria Teresa Horta um dos nomes maiores da nossa poesia.

1 comentário:

Graça Martins disse...

A grande MARIA Teresa Horta. Uma das feministas portuguesas que admiro, como mulher autêntica e lutadora, pelos direitos das mulheres e como uma das maiores poetas portuguesas, que assumem o desejo no seu corpo de mulher.
O livro Educação Sentimental é uma raridade e uma beleza.
Não posso esquecer o nome de duas feministas famosas como a Shulamite Firestone com o seu livro "A Dialéctica do Sexo" e a Kate Millet com a sua "Biblia" do feminismo: "Política Sexual"
Não resisto a relembrar este pequeno e delicioso poema da Teresa Horta
Ofereço este poema ao João porque tem costela feminista no seu blogue.

PENUMBRA
Por dentro da penumbra
o cheiro a fruta
e o gosto do feno no afago

Os gomos do gozo
que se afundam:
pétala por pétala no poço do teu hálito

Em 1975, uma mulher escritora, ter a coragem de utilizar a palavra gozo, significava o maior sacrilégio que se possa imaginar.
Por isso, a Maria Teresa Horta foi e continua a ser, uma MULHER AUTÊNTICA.