Escrito em 1957, contava a autora à data 19 anos, e publicado em 1958, vencedor do Prémio Adolfo Casais Monteiro, "Em Cada Pedra Um Voo Imóvel" foi excluído por Fiama Hasse Pais Brandão quer de "O Texto de Joao Zorro" (Inova, 1974), quer da "Obra Breve" (Contexto, 1991 e Assírio e Alvim, 2007) como por ela foi preparada em vida. Possivelmente, para a autora, tanto este texto, como "O Aquário" (A Palavra, 1960), eram excessivamente imaturos, uma vez que as suas prosas foram sendo antologiadas ao longo dos anos, como acontece com "Falar Sobre o Falado" (Afrontamento, 1988).
Especificamente, "Em Cada Pedra Um Voo Imóvel" é constituido por duas secções, a primeira "Recitações Dramáticas" e a segunda de poemas em prosa.
Relativamente às recitações dramáticas, estas buscam momentos-chave da existência humana, como sejam o nascimento, a infância e a morte. Ao mesmo tempo, evidenciam já a obcessão que Fiama haveria de manter em toda a sua obra, pela fixação da imagem, por exemplo, "A terra da encosta é vermelha e os homens não amam a terra." (pág.18).
Serve-se essencialmente de situações metafóricas que, nas suas irrealidades, tornam o conjunto não surrealista, mas ilimitado, como se os episódios decorressem dentro de sonhos ou de fábulas (Como haveria de assumir em 2002, em "Fábulas".)
Nota-se uma influência marcada do teatro japonês, e também dos haikus de Bashô, fortalecendo a relação entre os personagens humanos e a Natureza, força telúrica que regressaria em livros futuros como "Melómana" (Inova, 1978) ou o romance "Sob o Olhar de Medeia" (Relógio d´Água, 1998), ainda que por vezes esta relação seja nociva ou destrutiva, "Quando era menino tinha um jardim e as ameixeiras morriam sempre no outono." (pág.35).
A linguagem é assumidamente ligada á poesia, e ganha outra força quando desdobrada pelos "actores", criando um efeito de poesia dramatizada.
Nota-se uma certa tonalidade de melancolia em quase todas as recitações, principalmente da parte dos personagens humanos, muitas vezes contraposta pelas personificações da Natureza ou pelos coros que parecem servir como mediadora entre ambos, "O VIAJANTE: Tenho de andar mais./ CORO I: Mas estás triste./(...)/ O VIAJANTE: O horizonte é uma curva./ CORO I: E depois?/ CORO II: E depois?" (pág.52)
Os poemas em prosa são dissidentes de quase todos os restantes poemas em prosa, estando mais próximos dos poemas em verso da autora. São momentos isolados, que se não interligam à partida, reflectindo ora sobre o que resta da infância ora sobre os momentos actuais.
O mesmo fascínio pela imagem manifesta-se, assim como a obcessão por fixá-la através das palavras, tendo sempre noção de que estas são matéria insuficiente. A lingugem é complexa, dando ênfase ao detalhe, ainda que a dimensão humana seja maior do que nas recitações dramáticas.
Muito conceptual para obra de estreia, mas mesmo assim, não fica a perder perante a obra a que dá origem.
(A indicação das páginas segue "Em Cada Pedra Um Voo Imóvel e Outros Textos", edição de Gastão Cruz, Assírio e Alvim, 2009)
Sem comentários:
Enviar um comentário