segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Francisca de Manoel de Oliveira

Sendo mais um filme do chamado "ciclo camiliano" de Manoel de Oliveira, "Francisca" é importante também por ser a primeira das várias adaptações do cineasta de livros da escritora portuense Agustina Bessa-Luís, neste caso a famigerada "Fanny Owen"; mas simultâneamente por ser mais um gigantesco passo em termos de estilo para o realizador. De facto, em Francisca os travellings são raríssimos, e nos poucos que há, a lentidão é tanta que por vezes são quase imperceptíveis.No entanto, em termos de estilo, o que mais ressalta é sem dúvida a fortíssima teatralização, como se Oliveira estivesse mais interessado em filmar teatro do que na criação de uma situação em que o papel do escpectador é propositadamente ignorado (Quando, como aqui, os actores se dirigem à câmara, assumem que alguém os irá ver/ouvir posteriormente.).




Há que dizer que este filme segue "Fanny Owen" de uma forma bastante plena, pelo que não é injusta a afirmação de que este livro tem, pelo menos, tanto de Agustina como de Oliveira. Veja-se a demarcada presença da família, o ambiente aristocrático, a cidade do Porto como cenário de fundo (Ou as suas redondezas.), a análise social sempre com um pé pousado no realismo e no naturalismo e, claro, a personagem do próprio Camilo Castelo Branco, tão querido da romancista.
É precisamente esta personagem de Camilo que, mesmo não sendo o protagonista, vai conseguir evidenciar-se como se o fosse. Ele funciona quase como o coro no teatro grego, discursando sobre os acontecimentos, mesmo os futuros, com uma notável clarividência, com a diferença que o Camilo que Oliveira nos apresenta em "Francisca", tal como o de Agustina, é um humano que tanta salvar outro ser humano, neste caso Francisca Owen, das mãos do seu melhor amigo, José Augusto.
"A Alma é um vício"
diz-lhe, algures pelo início, Francisca. E é este vício que será atormentado e que será explorado ao máximo ao longo do filme, e em três partes: Francisca, José Augusto e Camilo. Desde o casamento entre os dois primeiros que se concrectiza após Fanny ter fugido de casa, até ao momento em que Camilo descobre que Fanny dirigira cartas a outro homem sobre o seu marido, o que leva este a desconfiar da sua virgindade e a não consumar o casamento.
Após a morte de Francisca, uma pergunta fica sem resposta:
"_O que faz com que amemos alguém?"
Não sabemos. Tudo o que vemos é o coração de Fanny, de onde brotavam nem o Bem nem o Mal, mas simplesmente a Força. É isso que se depreende das palavras de José Augusto, e é isso que resume a protagonista desta história Agustiniana.



Definitivamente estético e quase irrepreensível em termos visuais, "Francisca" conta também como brilhantes interpretações da actores como Teresa Meneses, Diogo Dória, Mário Barroso (Efectivamente muito semelhante a Camilo.) ou Lia Gama.
No entanto, a sequência da história peca pelo final: é muito habitual em Agustina Bessa-Luís que o desfecho da história não coincida com o desfecho do livro. No entanto, "Francisca" é um filme longo por si só, mas depois da cena em que a história efectivamente termina, o filme continua por tempo demais quando o essencial é apenas a cena da capela.
Apenas por esta pequena questão de montagem o filme não é perfeito.

1 comentário:

barbedo disse...

Esta tua crítica tinha-me escapado. Muito boa.