Além de uma crítica à mais recente publicação de Lídia Jorge, este texto serve também de resposta a uma crítica à mesma publicada na “Actual” do Expresso de 24 de Maio, que achei particularmente interessante.
Na legenda do dito artigo de Ana Cristina Leonardo, lê-se “Lídia Jorge regressa ao conto. Mas desilude.”
Ao longo do longo texto que escreve sobre “Praça de Londres”, A.C.L. prende-se a “Teses sobre o Conto” de Ricardo Piglia, e prende-se demasiado. O que é que isto origina? Uma crítica puramente académica, despropositada e reveladora de um aparente (?) desconhecimento da obra da escritora algarvia. Quem, como eu, conhece a obra completa de Lídia Jorge certamente já se terá apercebido de que a autora tem uma forma específica de contar as suas histórias, de nos dizer o que nos quer dizer, e também uma forma muito individual de escrever. Quando lidamos com textos de um escritor com estas características, é pouco adequado estar a julgá-lo de acordo com estereótipos ou regras que indiquem como escrever. Quando lemos algo como “E no entanto não precisavam de ter vindo gerar aquele entretenimento forçado para compreendermos a situação em que nos encontrávamos. Por que precisaríamos?” sabemos logo que é Lídia Jorge. Então porquê seguir as regras de Tchekov?
Segundo a crítica da “Actual”, estes “cinco contos situados” deixam “pouco espaço para o sonho e para a imaginação do leitor, dissipada esta pelo moralismo que cada um dos títulos evidencia.” Isto não podia ser mais falso. Não há corte algum com a subjectividade de cada um dos textos, eles são, na realidade, muito susceptíveis de interpretações múltiplas, e deixam, como por norma os contos deixam, lacunas e detalhes por revelar, de forma a que os possamos inventar nós. E quanto a moralismos, não sei o que A.C.L. entende por “moralismo”, não os encontrei, nem neste nem em qualquer outro texto de Lídia Jorge, são, na realidade, relatos de situações e sentimentos muito humanos, com nada de moral nem de amoral. Não escreveu Lídia Jorge “A Última Dona” em que um homem de família se refugia numa estalagem com uma coquine? Não escreveu Lídia Jorge “O Vale da Paixão” em que um homem deserta de casa após ter engravidado uma mulher que casaria com o irmão do desertor?
“E, entre outras, residirá, dessa incapacidade de levar a “estranheza” ás últimas consequências, a razão maior do falhanço” lê-se mais adiante. Desde quando é que uma empregada se dá ao trabalho de guardar cabelos dentro de frascos para saber quando o patrão muda de amante? Desde quando é que gatos engolem anéis?
Segundo a crítica da “Actual”, estes “cinco contos situados” deixam “pouco espaço para o sonho e para a imaginação do leitor, dissipada esta pelo moralismo que cada um dos títulos evidencia.” Isto não podia ser mais falso. Não há corte algum com a subjectividade de cada um dos textos, eles são, na realidade, muito susceptíveis de interpretações múltiplas, e deixam, como por norma os contos deixam, lacunas e detalhes por revelar, de forma a que os possamos inventar nós. E quanto a moralismos, não sei o que A.C.L. entende por “moralismo”, não os encontrei, nem neste nem em qualquer outro texto de Lídia Jorge, são, na realidade, relatos de situações e sentimentos muito humanos, com nada de moral nem de amoral. Não escreveu Lídia Jorge “A Última Dona” em que um homem de família se refugia numa estalagem com uma coquine? Não escreveu Lídia Jorge “O Vale da Paixão” em que um homem deserta de casa após ter engravidado uma mulher que casaria com o irmão do desertor?
“E, entre outras, residirá, dessa incapacidade de levar a “estranheza” ás últimas consequências, a razão maior do falhanço” lê-se mais adiante. Desde quando é que uma empregada se dá ao trabalho de guardar cabelos dentro de frascos para saber quando o patrão muda de amante? Desde quando é que gatos engolem anéis?
De certa forma, já fui explicando o que achei de “Praça de Londres”. Esquecendo o deplorável artigo da “Actual”, digo que estes contos são leituras assinaláveis, principalmente porque funcionam como metáforas e/ou como retratos de humanidade, volto a sublinhar.
“Praça de Londres”, que vai acompanhando o crescendo da emoção (Chegando ao delírio, nos possíveis diálogos com a porteira.) da mulher que se depara com uma situação bizarra na rua e tenta segui-la, terminando num anti-climax muito usual no dia-a-dia mais do que na literatura, o que é bom.
“Rue de Rhône” funciona, paralelamente, como história feminista e como crónica das repetidas tentativas do Homem de submeter a si a natureza.
“Branca de Neve” resulta muito bem ao evidenciar a formatação que a vida profissional das pessoas tende a estender-se e ser entendida como lógica de tudo pela própria pessoa (E eu, á porta dos exames e da defesa da Prova de Aptidão Artística percebo isso muito bem, encontro-me muitas vezes a falar de coisas vivenciais como se fossem parte da PAA ou da matéria que estudo.).
“Viagem para Dois” é uma história interessante pela forma como o homem conta á mulher a história que a mulher escreverá mais tarde, tentando dizer-lhe como há-de fazê-lo, deixando a nu aquele que por vezes poderá ser o processo de armazenamento de uma ideia e do descarregar para a página.
Por fim, “Perfume”, baseado no filme “Yol” de Yilmaz Guney, realizador turco a quem a escritora dedica o conto, prima pela forma como é contado, e pela forma como esse contar oscila entre os relatos na primeira pessoa do próprio narrador e pelos relatos das desconfianças da babá. É um conto interessante que não deixa de parecer digno de um romance.
Concluindo, “Praça de Londres” é um conjunto de belíssimos contos de uma escritora que nos mostra cada vez se deslocar melhor no caminho da metáfora e das emoções humanas, caminho que muito bem tem percorrido desde 1980 quando publicou “O Dia dos Prodígios”, ainda que por vezes isso faça com que nem todos a entendam. É uma pena.
Veredicto: 18/20
“Praça de Londres”, que vai acompanhando o crescendo da emoção (Chegando ao delírio, nos possíveis diálogos com a porteira.) da mulher que se depara com uma situação bizarra na rua e tenta segui-la, terminando num anti-climax muito usual no dia-a-dia mais do que na literatura, o que é bom.
“Rue de Rhône” funciona, paralelamente, como história feminista e como crónica das repetidas tentativas do Homem de submeter a si a natureza.
“Branca de Neve” resulta muito bem ao evidenciar a formatação que a vida profissional das pessoas tende a estender-se e ser entendida como lógica de tudo pela própria pessoa (E eu, á porta dos exames e da defesa da Prova de Aptidão Artística percebo isso muito bem, encontro-me muitas vezes a falar de coisas vivenciais como se fossem parte da PAA ou da matéria que estudo.).
“Viagem para Dois” é uma história interessante pela forma como o homem conta á mulher a história que a mulher escreverá mais tarde, tentando dizer-lhe como há-de fazê-lo, deixando a nu aquele que por vezes poderá ser o processo de armazenamento de uma ideia e do descarregar para a página.
Por fim, “Perfume”, baseado no filme “Yol” de Yilmaz Guney, realizador turco a quem a escritora dedica o conto, prima pela forma como é contado, e pela forma como esse contar oscila entre os relatos na primeira pessoa do próprio narrador e pelos relatos das desconfianças da babá. É um conto interessante que não deixa de parecer digno de um romance.
Concluindo, “Praça de Londres” é um conjunto de belíssimos contos de uma escritora que nos mostra cada vez se deslocar melhor no caminho da metáfora e das emoções humanas, caminho que muito bem tem percorrido desde 1980 quando publicou “O Dia dos Prodígios”, ainda que por vezes isso faça com que nem todos a entendam. É uma pena.
Veredicto: 18/20
2 comentários:
Concordo totalmente contigo.
A crítica não é imparcial. A crítica literária e a outra (da arte), na maioria dos casos, organiza-se na base da inveja e com propósitos de destruição. Na generalidade são aplicações de receitas académicas envolvidas em conceitos formatados que já estão ultrapassados. E quando o crítico é jovem, como deve ser o caso, então a coisa piora. Para que serve o crítico? O lugar dele seria apenas um elo intermediário para descodificar o conteúdo e apresentá-lo ao autor. Mas o que acontece é a falta de respeito pela obra de um autor que, no caso da Lídia Jorge, é já consagrada e tem o seu mundo próprio. Então o prazer do crítico nestes casos é maior. Avança para detectar defeitos, aplicar a lição que aprendeu na faculdade e a cegueira fica por aí. São as atitudes medíocres dos nossos críticos. Como dizia a Rainha a Alice no País das Maravilhas: corta, corta, corta ( as cabeças, claro).
eu subscrevo. não percebo como pode haver o atrevimento de se dizerem coisas tão FALSAS sobre uma escritora com a qualidade da Lídia Jorge
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