(1990)
Uma nulidade enquanto escritora e memorável como personagem, Anais Nin não era mais do que uma elegante senhora que escrevia fantasias eróticas, ainda que com uma linguagem a roçar o poético.
Ainda que dela tenhamos apenas histórias desinteressantes como “A Casa do Incesto” ou “Delta de Vénus”, certamente a sua vida terá muito interesse. Assim sendo, não é de estranhar um filme como “Henry and June”.
Maria de Medeiros, no seu primeiro papel fora de Portugal interpreta Anais Nin de uma forma assinalável: tanto pelo físico como pela performance coloca-nos perante uma mulher que em tudo nos surpreende: aparentemente inocente, mas preenchida por desejos e delírios sexuais.
Desejos e delírios sexuais que irá começar a pensar em satisfazer quando conhece Henry, Henry que é Henry Miller, que se cruza com Nin através do marido desta, Hugo, num dos muitos anos que passou a escrever “Trópico de Câncer”.
E é através de Henry que Anais se cruza com June (Interpretada por uma brutal Uma Thurmann.) , por quem se apaixonará quase de imediato.
A premissa, com tudo para ser dramática, evoluiu, tornando-se cada vez mais forte e deixando Nin cada vez mais encurralada, á solta no realizar da sua imaginação.
As personalidades vão então evoluindo e conduzindo uns contra os outros: as frustrações de Miller, a voracidade de Anais, o narcisismo de June, a insciência de Hugo. E nisto, Philip Kaufmann consegue brilhar: filma as cenas com a tensão e o tempo necessário, o sexo com toda a intensidade, os olhares com uma força poética, e as palavras com a importância devida (Tendo em conta que este é essencialmente um filme sobre escritores.).
Mas o que “Henry and June” tem de realmente notável é no retrato absolutamente cru de como a experiência e a vida impulsionam e permitem a arte, muitas vezes em situações que podem, à vista desarmada, ser condenáveis ou sacrílegas, mas que na realidade, são as únicas que realmente movem a criação.
Veredicto: 18/20
“Wilde” de Brian Gilbert
(1997)
Não menos controverso do que Anais Nin, mas certamente por diferentes motivos, Oscar Wilde tinha tudo para ter tido uma vidinha normal: mulher, filhos, talento para escrever, protagonismo e allure. As coisas correram mal quando Wilde descobre que é homossexual, e se inicia numa série de vários engates, que terminam em Lord Alfred Douglas aka Bosie. Por este se apaixona e com este se lança numa vida arriscada (Falamos de um tempo em que a homossexualidade é crime.) que o levará à cadeia, onde passará os mais desgastantes dois anos da sua vida, depois dos quais só sobreviverá mais dois. Alguns destes meses são passados com Bosie.
A película de Brian Gilbert tem sem dúvida uma certa quantidade de intensidade e de densidade narrativa. De uma forma coerente, Gilbert serve-se de contos infantis ou de livros como "De Profundis" para ir articulando os vários momentos da história. Não entra num previsível comportamento de querer engrandecer o personagem de quem fala: retrata-o com os seus defeitos e todas as suas falhas.
O contracenar de Stephen Fry (Wilde) e Jude Law (Bosie) é bom, sendo conseguida a tensão e o atrito pretendidos.
Veredicto: 17/20
“Eclipse Total” de Agnieszka Holland
(1995)
(1995)
Sem Arthur Rimbaud, a poesia moderna não seria o que é. E sem Paul Verlaine, a vida de Rimbaud certamente não teria sido como foi. Rimbaud era um rapaz simples da província que aos 16 anos já escrevia a poesia que havia de revolucionar o mundo da literatura. Quem recebia esses poemas era Paul Verlaine, a viver em Paris com a mulher, pensando que lia os poemas de um jovem de 21 anos.
Quando Verlaine escreve a Rimbaud "vem alma-gémea, és esperado", e este vem mesmo, Verlaine depara-se com um rapaz mal-formado, rebelde e sem tento na língua, basicamente.
E no entanto, apaixona-se por ele.
Os dois fogem para vários sitios, Verlaine cada vez mais dominado por Rimbaud cada vez mais dominado pelas suas ambições e sonhos.
Relativamente ao filme em si, não fosse este um conto homossexual, e poderia ser passado num sábado á tarde, na TVI. A falta de tensão e de verismo nas cenas mais íntimas é óbvia, e nas cenas de sexo absolutamente escandalosa.
É um filme que não arrisca basicamente nada. E, ao fugir de uma exploração plena da relação amorosa entre os dois poetas, o realizador poderia ter-se focado pelo menos na relação literária que existia entre os dois, mas também isso aparece apenas de vez em quando. No geral, o filme parece ser um video turístico em que os guias são David Thewlis e Leonardo DiCaprio.
Veredicto: 14/20
4 comentários:
Gostei muito das análises que fizeste aos três filmes que relembrei. Na altura em que os vi, gostei muito de Henry and June e do Wilde. Concordo com o teu parecer em relação ao filme sobre o Rimbaud e Verlaine. Foi pena porque até achei que o Leonardo di
Caprio ficava bem como Rimbaud. Quando vi o filme pensei que branquearam de propósito as cenas de sexo. Mas também no caso do Rimbaud e Verlaine não era o motor do encontro. O encontro foi literário e de comunhão pela escrita. E depois acontece que uma grande paixão termina quase sempre de forma trágica. Fica como ícone para a eternidade. Já o amor é outra coisa. Constroi-se.
Andas a ver uns filmes muito literários...
Há semanas falávamos, cá em casa, deste filme - o «Eclipse Total». Ambos o tínhamos visto na TV, mas de forma incompleta, e gostávamos de voltar a ele. Lendo a tua apreciação, e o comentário da Graça, fico na dúvida se valerá a pena, se ainda valerá... Mas acho que vou arriscar, num destes dias. Sabes se está disponível por cá, em DVD? Eu diria que não!... Abraço,
Não sei se há em DVD. Vi numa cassete VHS, gravado da SIC (Acho eu.)
No entanto, não vale a dor de cabeça de andar a procurá-lo. É um filme dispensável e absolutamente vulgar.
"Henry and June" é, dos três, o melhor, o mais provocador e o que merece todo o esforço para ser visto.
No entanto, deduzo que já conheçam...
Obrigado, Super. Descobri que está esgotado no mercado, mas teremos em conta o teu conselho (ambos o vimos na TV, mas já esquecemos os detalhes e ficou-nos a vontade de o rever).
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