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domingo, 24 de maio de 2009

considerações do senhor Artaud



Há em toda a poesia uma contradição essencial. A poesia é a multiplicidade triturada e incendiada. E a poesia, que estabelece a ordem, suscita primeiro a desordem, a desordem dos aspectos incendiados; provoca o choque dos aspectos que leva a um ponto único: fogo, gesto, sangue, grito.

Trazer a poesia e a ordem a um mundo cuja simples existência já é um desafio à ordem, é levar à guerra e à permanência da guerra, é fundar um estado de crueldade incidida, é suscitar uma anarquia sem nome, a anarquia das coisas e dos aspectos que acordem antes de soçobrarem de novo e se fundirem na unidade.





ANTONIN ARTAUD
"Heliogabalo ou O Anarquista Coroado"
trad. Mário Cesariny de Vasconcelos
Assírio e Alvim, 1982


imagem: MAX ERNST

quinta-feira, 23 de abril de 2009

a procura da fecalidade



Onde cheirar a merda
cheira a ser.
O homem podia muito bem deixar de cagar,
deixar de abrir a bolsa anal,
mas preferiu cagar
como poderia ter preferido viver
em vez de consentir em viver morto.

É que para não fazer cócó
teria que aceder
a não ser,
mas ele é que não foi capaz de se resolver a perder o ser,
isto é a morrer vivo.

Existe no ser
algo particularmente tentador para o homem
algo que vem a ser justamente
............................ O CÓCÓ
............................ (aqui rugido)

Para existir basta que se conscenda em ser,
mas para viver
é preciso ser alguém,
para ser alguém
é preciso ter OSSOS,
não ter medo de mostrar os ossos,
e de caminho perder a carne.

O homem sempre gostou mais da carne
do que da terra dos ossos.
É porque só o que havia era terra e madeira de ossos
e ele viu-se obrigado a ganhar a sua carne,
só o que havia era ferro e fogo
e merda não,
e o homem teve medo de ficar sem merda
ou antes desejou a merda
e para isso sacrificou o sangue.


Antonin Artaud
"Para Acabar de Vez Com o Juízo de Deus"
tradução de Luiza Neto Jorge
imagem: Canibalismo de Outono, Salvador Dalí