ABRUPTO PESADO POEMA
Há uns dias uma amiga minha disse-me que não está a gostar muito do novo romance de José Saramago. Colocou a hipótese de tal opinião se dever a não o ter lido todo, ainda; mas uma consideração destas é certamente permitida apenas ao cidadão anónimo. O crítico, ou o crítico comum, não se atreve a criticar negativamente uma obra de um autor de reconhecido mérito.
No entanto, eu não sou um crítico, sou um mero blogger, mais ou menos anónimo, e ainda me posso dar ao luxo de criticar negativamente um autor de reconhecido mérito.
Não vou falar do novo romance de José Saramago porque, para minha vergonha, ainda nem o comecei a ler. Vou falar, isso sim, de “A Faca Não Corta o Fogo” de Herberto Helder, e o leitor já deve ter percebido que vou dizer mal. Não vou dizer só mal, mas isso vê-se já.
Herberto Helder maravilhou a crítica e os leitores de poesia com “A Colher Na Boca” de 1961 (Ainda que já tivesse dado à estampa o folheto “O Amor Em Visita” três anos antes.). Prosseguiu com pontos altos como “Poemacto” (1961), “A Máquina Lírica” (1964), “Cobra” (1977), “O Corpo O Luxo A Obra” (1978), “A Cabeça Entre As Mãos” (1982) ou “Última Ciência” (1988), ou com os contos de “Os Passos em Volta” (1963) ou “Photomaton & Vox” (1979).
A partir do início dos anos 80 deixa de dar entrevistas, silencia-se a não ser na própria obra, resultado: é mitificado.
Não me vou estender partilcularmente na minha opinião sobre o artigo no Ipsilon sobre este assunto, mas digo isto: é absolutamente ridículo que alguém (Alguém que é Hélia Correia.) diga “como é possível escrever depois de Herberto Helder?”, e é ridículo que se mitifique tanto um autor, com coisas que muitas vezes não são muito exactas, como o elogio à originalidade do título “Herberto Helder ou o Poema Contínuo”, quando, em 1981, foi publicado um livro chamado “Poesia Contínua”.
Quero com isto dizer que uma coisa é Herberto Helder ser um dos maiores poetas vivos, o que considero verdade, outra coisa é fazer dele um deus inigualável, o que considero uma enorme mentira.
Aparte de questões paralelas à obra propriamente dita, é verdade que Herberto já nos deu alguns dos mais belos textos a constar na poesia portuguesa, e é verdade que já escreveu livros assinaláveis, e que tem um percurso muito particular no que toca às suas edições.
No entanto, “A Faca Não Corta o Fogo”, publicado com grande escândalo após um hiato de 14 anos, vem contrariar tudo isto: primeiro, é feito um livro de capa dura (De um autor que tantas vezes publicou folhetos.), que fica no centro de uma campanha comercial/consumista absolutamente vergonhosa.
Há uns dias uma amiga minha disse-me que não está a gostar muito do novo romance de José Saramago. Colocou a hipótese de tal opinião se dever a não o ter lido todo, ainda; mas uma consideração destas é certamente permitida apenas ao cidadão anónimo. O crítico, ou o crítico comum, não se atreve a criticar negativamente uma obra de um autor de reconhecido mérito.
No entanto, eu não sou um crítico, sou um mero blogger, mais ou menos anónimo, e ainda me posso dar ao luxo de criticar negativamente um autor de reconhecido mérito.
Não vou falar do novo romance de José Saramago porque, para minha vergonha, ainda nem o comecei a ler. Vou falar, isso sim, de “A Faca Não Corta o Fogo” de Herberto Helder, e o leitor já deve ter percebido que vou dizer mal. Não vou dizer só mal, mas isso vê-se já.
Herberto Helder maravilhou a crítica e os leitores de poesia com “A Colher Na Boca” de 1961 (Ainda que já tivesse dado à estampa o folheto “O Amor Em Visita” três anos antes.). Prosseguiu com pontos altos como “Poemacto” (1961), “A Máquina Lírica” (1964), “Cobra” (1977), “O Corpo O Luxo A Obra” (1978), “A Cabeça Entre As Mãos” (1982) ou “Última Ciência” (1988), ou com os contos de “Os Passos em Volta” (1963) ou “Photomaton & Vox” (1979).
A partir do início dos anos 80 deixa de dar entrevistas, silencia-se a não ser na própria obra, resultado: é mitificado.
Não me vou estender partilcularmente na minha opinião sobre o artigo no Ipsilon sobre este assunto, mas digo isto: é absolutamente ridículo que alguém (Alguém que é Hélia Correia.) diga “como é possível escrever depois de Herberto Helder?”, e é ridículo que se mitifique tanto um autor, com coisas que muitas vezes não são muito exactas, como o elogio à originalidade do título “Herberto Helder ou o Poema Contínuo”, quando, em 1981, foi publicado um livro chamado “Poesia Contínua”.
Quero com isto dizer que uma coisa é Herberto Helder ser um dos maiores poetas vivos, o que considero verdade, outra coisa é fazer dele um deus inigualável, o que considero uma enorme mentira.
Aparte de questões paralelas à obra propriamente dita, é verdade que Herberto já nos deu alguns dos mais belos textos a constar na poesia portuguesa, e é verdade que já escreveu livros assinaláveis, e que tem um percurso muito particular no que toca às suas edições.
No entanto, “A Faca Não Corta o Fogo”, publicado com grande escândalo após um hiato de 14 anos, vem contrariar tudo isto: primeiro, é feito um livro de capa dura (De um autor que tantas vezes publicou folhetos.), que fica no centro de uma campanha comercial/consumista absolutamente vergonhosa.
É-nos apresentado como “Súmula e Inédita”. Um dos aspectos que achei particularmente interessante no artigo do Ipsilon foi dizerem que Herberto reescreve constantemente a sua obra. Ao longo da súmula, alguns dos poemas aparecem exactamente como no volume de “Poesia Toda”, e noutros, as alterações resumem-se a suprimir uma vírgula ou acrescentá-la, ficando o leitor sem perceber se se trata de uma reescrita ou da correcção de uma gralha de tipografia.
O título do livro provém de um ditado grego que diz “não é com uma faca que se corta o fogo”. Num dos poemas, Helder dirá “eu, que tenho o dom das línguas, senti/ a linha sísmica atravessando a montagem das músicas,/ e ouvi chamarem-lhe lírica,/ numa língua nenhuma que não sabia,/ e os acertos e erros do meu nome não eram traduzíveis/ nas línguas do meu dom,” (pag.169). Podemos daqui retirar uma leitura simples: há certas impossibilidades que na poesia se tornam possíveis, são possíveis enquanto palavras, intraduzíveis, mas são inacessíveis a um objecto físico- a faca, neste caso.
É neste tipo de “momentos” que esta poesia parece mover-se: a descrição de momentos, de movimentos interiores, de forças invisíveis, do amor ou da própria escrita, sempre com a noção de que há algo que as transcende e que só é atingível pela poesia.
Por isso mesmo, é de estranhar que surjam poemas mais fracos, onde parece que este “lirismo” vem dar lugar a um relato de uma situação em tudo prosaica, o discurso de uma prostituta ou um aluno a falar para um professor. São momentos que certamente terão o seu quê de poético. Mas, há que ter em conta que este livro segue o protocolo de “O Poema Contínuo” em que os poemas surgem seguidos, separados apenas por estrelas, o que só reforça a sua sequência. E no meio da beleza de passagens como “cabelos amarrados quentes que se desamarram,/oh, quero-te em volta de luz batida,/em língua máxima (…)” (pag.137), torna-se ainda mais esquisito que haja estes laivos de algo mais “mundano”.
Concrectamente, no que toca aos inéditos, Herberto Helder está longe de estar no pico da sua originalidade ou qualidade. É certo que econtramos aluguns poemas belíssimos e ao nível dos livros que fizeram a história deste autor, no entanto, não se pode dizer que “A Faca Não Corta o Fogo” traga algo de particularmente novo ao que Herberto já escreveu anteriotrmente. A este facto, acrescente-se que há ainda poemas absolutamente herméticos ou completamente dissidentes daquilo que, em maior número, constitui esta obra.
É também significativo que o último poema diga “abrupto termo dito último pesado poema do mundo” (pag.207). Uma ideia que dá muitas ideias. A pensar.
O título do livro provém de um ditado grego que diz “não é com uma faca que se corta o fogo”. Num dos poemas, Helder dirá “eu, que tenho o dom das línguas, senti/ a linha sísmica atravessando a montagem das músicas,/ e ouvi chamarem-lhe lírica,/ numa língua nenhuma que não sabia,/ e os acertos e erros do meu nome não eram traduzíveis/ nas línguas do meu dom,” (pag.169). Podemos daqui retirar uma leitura simples: há certas impossibilidades que na poesia se tornam possíveis, são possíveis enquanto palavras, intraduzíveis, mas são inacessíveis a um objecto físico- a faca, neste caso.
É neste tipo de “momentos” que esta poesia parece mover-se: a descrição de momentos, de movimentos interiores, de forças invisíveis, do amor ou da própria escrita, sempre com a noção de que há algo que as transcende e que só é atingível pela poesia.
Por isso mesmo, é de estranhar que surjam poemas mais fracos, onde parece que este “lirismo” vem dar lugar a um relato de uma situação em tudo prosaica, o discurso de uma prostituta ou um aluno a falar para um professor. São momentos que certamente terão o seu quê de poético. Mas, há que ter em conta que este livro segue o protocolo de “O Poema Contínuo” em que os poemas surgem seguidos, separados apenas por estrelas, o que só reforça a sua sequência. E no meio da beleza de passagens como “cabelos amarrados quentes que se desamarram,/oh, quero-te em volta de luz batida,/em língua máxima (…)” (pag.137), torna-se ainda mais esquisito que haja estes laivos de algo mais “mundano”.
Concrectamente, no que toca aos inéditos, Herberto Helder está longe de estar no pico da sua originalidade ou qualidade. É certo que econtramos aluguns poemas belíssimos e ao nível dos livros que fizeram a história deste autor, no entanto, não se pode dizer que “A Faca Não Corta o Fogo” traga algo de particularmente novo ao que Herberto já escreveu anteriotrmente. A este facto, acrescente-se que há ainda poemas absolutamente herméticos ou completamente dissidentes daquilo que, em maior número, constitui esta obra.
É também significativo que o último poema diga “abrupto termo dito último pesado poema do mundo” (pag.207). Uma ideia que dá muitas ideias. A pensar.
3 comentários:
Parabéns
Quem é livre pode opinar.
Já são poucas as mentes livres, neste país.
Todes estão comprometidos com qualquer coisa: uma editora, um autor conhecido, o partido, enfim, é amigo de, o vizinho...o jornalista, o amigo que faz a crítica para a imprensa.
"Meu Deus faz com que eu seja sempre um poeta obscuro"
Até quando??
A tortura para arranjar o livro foi pior que as senhas de racionamento numa guerra. NÃO ACEITO ESTE COMPORTAMENTO DA EDITORA E DO POETA. Puro acto capitalista decadente.
os poemas não estão separados por "estrelas", estão antes separados por asterismos.
"O Poema Contínuo"? ou antes " Ou o Poema Contínuo"
a última entrevista que HH concedeu não foi nos anos 80, foi em 1968.
enfim, quem pouco ou nada sabe acerca de poesia e não conhece, neste caso, a obra de HH mais valia estar calado.
no mínimo mediocre, ridículo este post. Eu teria vergonha.
José Medeiros
Mui caro José Medeiros
eu diria que quando muito são "asteriscos", não sei o que são "asterismos". mesmo assim, digo eu, que andei em artes, que os asteriscos têm 6 pontas, ao contrário dos símbolos que surgem no livro, que têm 5, daí eu dizer que são estrelas.
no entanto sei o que são "histerismos" (ou histerias) que é o caso.
Conheço a obra completa do HH com excepção do livro "Apresentação do Rosto", e, sim, ele deu entrevistas nos anos 80, posso garantir.
Mais ainda, não me parece que o "Ou" faça grande diferença. O que eu queria dizer é que existe um livro com o nome "Poesia Contínua", ao qual encontrei referências na Colóquio-Letras. Pode confirmar se lhe apetecer. O "OU" pouco ou nada importa na ideia que queria transmitir.
enfim, quem acredita em semi-deuses e pensa que sabe de poesia, mais valia estar calado.
É por causa de ceguinhos como o sr/dr/whatever que depois as editoras se podem dar ao luxo de entrar nestes esquemas capitalistas. O que interessa é a poesia. O que estão a fazer é criar semi-deuses, e desses estou fartíssimo. O Herberto Helder já escreveu bons livros, o último é inconsequente. Percebo que haja quem não coloque a hipótese de um autor ir perdendo qualidades. No entanto, é preciso analisar as coisas a frio. Este livro serve para deixar ao lado da sanita comparado com "A Colher Na Boca" ou "Cobra".
no mínimo posso dizer que é uma questão de opinião. Não é algo de que alguém se deva envergonhar.
pelo menos quem tem uma. e nisso somos diferentes.
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