Alguns apontamentos sobre Pseudo-Neo-Feminismos
INTRODUÇÃO
Simone de Beauvoir, Shulamit Firestone, Susan Sontag, Camille Paglia, Naomi Klein, Suzanne Lillar, Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno, Maria Velho da Costa: são alguns nomes da literatura associados a vários movimentos feministas. Por alguma razão, os movimentos feministas _e convém que se fale deles no plural_ conheceram as suas primeiras grandes manifestações artísticas na literatura. Nas artes plásticas também se dariam várias manifestações, mais ou menos cuevas, com os trabalhos pioneiros de, por exemplo, Cindy Sherman, Sara Lucas ou Louise Bourgeois.
Na época em que estamos, já quase não se lê e muito menos se conhece verdadeiramente arte. Por várias razões que não importa aqui referir, a música _e nem toda a música_ é, neste momento, talvez a manifestação artística que mais facilmente prolifera e ganha verdadeira projecção, muitas vezes global.
Pioneira no que toca a manifestar convicções feministas na música foi a canadiana Sarah McLachlan, que fundou em 1997 o festival Lilith Fair, orientado para receber concertos de cantoras e autoras de música feministas, que aconteceu em 97, 98, 99 e em 2010. Por este festival passaram nomes como Fiona Apple, Jewel, os The Cardigans, Tracy Chapman, os Morcheeba, Suzanne Vega, Sinead O'Connor, Natalie Merchant, Diana Krall, Sheryl Crow, Dido, os Sixpence None the Richer, os K's Choice, Christina Aguilera, Cat Power, entre muitas outras, ficando de fora apenas três nomes que significativamente também advogaram ideias feministas na sua música: Tori Amos, Alanis Morisette e Annie Lennox.
O festival pensado e organizado por Sarah McLachlan, além de ter sido um sucesso, foi uma brilhante manifestação de como o feminismo existe não só na literatura, mas também na música: uma área onde, efectivamente, poderá chegar a um público muitíssimo vasto. Os nomes em cartaz justificavam-se pelo que diziam do papel das mulheres no pop-rock contemporâneo, sem no entanto se esgotarem aí. Porque se nos concertos poderíamos entender quais as diferenças e as semelhanças da expressão musical interpretada e escrita por mulheres, ao mesmo tempo víamos como um papel de paridade efectivamente lhes cabia no panorama musical, uma vez que a maioria delas estavam longe de ser nomes menores da música, reafirmando, portanto, a sua importância e rejeitando a ideia de que o universo das mulheres é um universo específico e menor que, como dizia machistamente George Steiner, não compete com Deus.
Mas esqueçam tudo aquilo que Sarah McLachlan fez. Esqueçam essas ultrapassadas ideias de que as mulheres devem, como os homens devem, afirmar-se na música pela qualidade da música que fazem. Esqueçam essas ideias de tentar demonstrar um papel cultural que também às mulheres cabe integrar e definir. Esqueçam essa conservadora postura de afirmar o talento e limpar de vez a ideia de que as mulheres podem mesmo ser cantoras, compositoras e instrumentistas, e não apenas bailarinas que cantarolam umas coisas.
Esqueçam, porque estamos noutra época, e tudo isso é do passado.
Na literatura, encontramos novas gerações ainda preocupadas com a questão da mulher. Nas artes plásticas a mesma coisa.
Mas o vosso inspector Supermassive Black-Hole esteve a passear-se pelo pop recente, para responder a uma pergunta muito simples: onde está o feminismo na música de hoje?
E a resposta é esta: está bom e saudável! Bom e saudável como uma pandemia de herpes genital!
I
Esta minha demanda por saber onde estão as cantoras feministas nas gerações mais recentes começou há uns tempos atrás. Nas férias de Páscoa, estava eu no carro com a minha mãe e na rádio começaram a passar California Girls de Katy Perry. Diga-se de passagem que Katy Perry é mesmo coisa que gosto tanto de ouvir quanto um conjunto de carpideiras velhas num funeral mexicano (Ou algo assim, sei lá.) portanto baixei o volume do rádio e a minha mãe disse, um tanto distraída
_Sim, ela dá a entender que as raparigas da Califórnia são boas e baratas e pensa que isso é feminismo.
fiquei curioso. De facto, a letra contém momentos muito interessantes, senão vejamos
California girls
We're undeniable
Fine, fresh, fierce
We got it on lock
Westcoast represent
(...)
Sex on the beach
We don't mind sand in our Stilettos
We freak
(Nós raparigas da Califórnia/ Somos inegáveis/ Boas, frescas, atrevidas/ Temos disso/ Representamos a costa oeste/ (...)/ Sexo na praia/ Não nos importamos de ter areia nos saltos de agulha/ Até nos passamos)
um bom momento lírico, diga-se. Numa canção onde Katy fala dos rapazes que a espreitam a ela e às amigas (Possivelmente a beijarem-se umas às outras, que era o assunto do primeiro sucesso desta menina.), em vez de se sentir observada ou sequer minimamente devassada, ela convida esses rapazes, e mais os outros que a ouvirem e mais o Snoop Dog que participa nesta canção, para se juntarem a elas, porque elas são boas, frescas e atrevidas, fazem sexo na praia e andam de sapatos de salto de agulha. E isto não são deduções minhas, estou apenas a reoganizar aquilo que está na letra. Portanto, quem achar que isto é degradante, não me agradeça, não tive trabalho nenhum a fazê-la parecer decadente.
Continuemos nas canções desta senhora durante mais um pouco, mas não sem falar um pouco dela. Katy Perry surgiu com I Kissed a Girl, uma canção onde explica detalhadamente como foi a sua experiência de beijar uma rapariga e tem ficado conhecida por alternar entre canções cheias de power-positive-thinking para adolescentes, como Fireworks ou Last Friday Night e outras em que toda a sua postura sexual slutty e fácil se manifesta claramente, como acontece com este California Girls ou Peacock. E se já falamos da primeira, falemos agora da segunda.
Come on baby let me see
Whatchu hidin' underneath
Are you brave enough to let me see you peacock?
Whatchu waiting for, it's time for you to show it off
Don't be a shy kinda guy I'll bet it's beautiful
Come on baby let me see
Whatchu hidin' underneath
I wanna see you peacock, cock, cock
(Anda lá querido deixa-me ver/ O que escondes aí debaixo/ És corajoso que chegue para me deixares ver o teu pavão?/ Por que esperas, está na altura de o exibires/ Não sejas tímido, aposto que ele é lindo/ Anda lá querido deixa-me ver/ O que escondes aí debaixo/ Quero ver o teu pavão...)
outro momento lírico assinalável, este mais ligado à poesia concreta. Perceba-se que, em inglês, cock significa caralho. Portanto, o que Katy quer que o querido mostre não é um pavão, mas sim o caralho, pois, como vemos pela repetição irritante da palavra, peacock resulta mais ou menos em peak-cock, ou seja, espreitar o caralho. Para ter a certeza de que o rapaz não se acanha, Katy diz-lhe que até está certa de que o caralho, e não o pavão, será lindo, e incita-o não exactamente a mostrar-lho, mas a exibir-lho, o que prevê um público mais alargado. Uma vez mais, não inventei nada, apenas traduzi fragmentos da letra.
Katy Perry faz, como se disse, canções para alegrar adolescentes e depois canções para incitar à putaria (Lamento, não há outra palavra.). Portanto a mensagem é clara: adolescentes, não sejam tímidos, vocês são como fogo-de-artifício, mostrem o que valem (Fireworks): no caso das raparigas, façam sexo na praia, sejam frescas e atrevidas (California Girls) e, no caso dos rapazes, exibam o vosso caralho que certamente vai ser lindo (Peacock).
II
Passemos agora a outra mega-estrela, esta um tanto mais inteligente do que Katy Perry. Falo de Lady Gaga, que não conseguiu ainda fazer uma única canção pop verdadeiramente interessante, não sabe cantar, tem letras terríveis, mas, fazendo uso de uma megalómana noção de espectáculo, soube aproveitar com a subtileza de um tigre ligeiro o facto do público jovem ser inculto e não conhecer sequer o passado mais recente da música pop, rendendo-se portanto a Gaga que só tem, até hoje, repetido aquilo que outras _e Madonna é o nome mais evidente_ já fizeram muito antes dela. Tal como me acontece com Katy Perry, ouvir Lady Gaga causa-me dores e irritações dignas de uma verdadeira alergia, mas farei o sacrifício de isolar algumas canções, muito rapidamente. Uma das que me parecem dignas de referência é Bad Romance. Na verdade, não valeria a pena isolar quase fragmento nenhum, porque a letra, no seu todo, é que daria a ideia que mais interessa. Gaga descreve uma relação com um homem em que quer tudo, o bom e o mau, a todo o custo. No entanto, escreve a letra com tamanho desespero que acaba resultado como uma verdadeira neurótica que qualquer pessoa deveria evitar, nem que fosse através do homicídio.
I want your ugly
I want your disease
I want your everything
As long as it's free
I want your love
(...)
I want your love and
All your love is revenge
You and me could write a bad romance
(...)
I want your psycho
Your vertigo stick
Want you in my rear window
Baby you're sick
I want your love
(Quero a tua fealdade/ Quero as tuas doenças/ Quero tudo de ti/ Logo que seja de graça/ Quero o teu amor/(...)/ Quero o teu amor e/ Todo o teu amor é vingança/ Tu e eu criámos um mau romance/(...)/ Quero a tua psicose/ A tua vertigem/ Quero-te no meu retrovisor/ Amor tu és doente/ Quero o teu amor)
por onde hei-de começar? Por exemplo, pelo facto de, além de neurótica, nesta canção Gaga parecer completamente uma fêmea submissa, capaz de todas as torturas só para estar com um homem com quem, ainda por cima, tem uma declarada má relação. E o pior é ainda o resto: ele é psicótico, feio e vingativo. E mais ainda, ela quer as doenças dele? Quem é que é o louco que quer apanhar as doenças de um parceiro doido e malvado? De que doenças estamos a falar? Ela quer apanhar uma gripe por beijá-lo, ou estamos a falar de sífilis e gonorreia, etc, por fazer sexo desprotegido? E, no meio de tanto querer, ela quer vê-lo no retrovisor? No retrovisor, do género: ele a correr a pé atrás do carro dela? Não consigo imaginar nada mais neurótico. E mais ainda, que história é aquela de ela querer tudo logo que não se pague? É suposto isso dar um toque de mínima dignidade a uma letra que tresanda a uma provável psicose com elevadas doses de masoquismo da própria Gaga? Ela quer sofrer vinganças e apanhar doenças de um gajo feio e psicótico com quem tem um romance penoso MAS recusa-se a pagar por isso. Grande ideia, Gaga, grande ideia.
No caso de Lady Gaga, praticamente qualquer canção é susceptível de escrutínios destes, mas não desejo alongar-me muito a escrever sobre uma sujeita que, e isto é um facto e não um julgamento, não fez ainda nada de criativo nem de bom. Portanto, ocorre-me Judas, outro grande sucesso de pouquíssimo interesse
In the most Biblical sense,
I am beyond repentance
Fame hooker, prostitute wench, vomits her mind
But in the cultural sense
I just speak in future tense
Judas, kiss me if offenced,
Or wear an ear condom next time
(...)
I’m just a Holy Fool, oh baby he’s so cruel
But I’m still in love with Judas, baby
(No sentido mais Bíblico/ Sou impossível de redimir/ Prostituta da fama, meretriz que vomita a sua mente/ Mas no sentido cultural/ Falo no tempo futuro/ Judas beijou-me, foi uma ofensa/ Usem um preservativo na orelha da próxima vez/(...)/ Eu sou uma Santa Tola, oh querido, ele é tão cruel/ Mas mesmo assim estou apaixonada por Judas, querido)
suponho que esta canção nos deixe a todos esclarecidos. O homem feio, vingativo, psicótico e doente é, afinal, Judas (No video, a escolha de
Norman Reedus não parece muito ajustada, por razões evidentes.). Mas o que nesta canção mais chama a atenção é talvez a forma demagógica como a letra está escrita. É num sentido bíblico que Lady Gaga é uma prostituta da fama, uma meretriz e que tudo o que vem da sua mente é um vómito? Não, não é num sentido bíblico, é no sentido do real.
E será, depois, no sentido da psicose que a mulher já revelava na canção anterior, que fala no tempo futuro e que Judas a beijou, não no sentido cultural pois, como qualquer pessoa com um mínimo de conhecimento de História de Arte e de Música poderá perceber, não há um valor cultural nem inovador naquilo que ela tem feito, como, de resto, não me canso de repetir. Por último, no refrão, Gaga fala de si mesma como uma santa tola (E, pelo menos na segunda palavra, eu concordo.) e queixa-se que o Judas que ama é cruel, mas que o ama na mesma, confirmando as tendências masoquistas que já revelava em
Bad Romance. A sério, Gaga??
III
Em terceiro e último, o vosso inspector traz-vos um verdadeiro
pièce-de-résistance. Desconhecida, tanto quanto sei, em Portugal, esta senhora tem, contudo, chamado a atenção na internet e, ao que parece, tem ou terá em breve um álbum editado. O nome _artístico, claro_ desta
cantora não poderia ser mais irónico:
Lady. Segundo o seu perfil no MySpace (Que, se estiverem com vontade de rir, podem consultar
aqui.), Lady é o pseudónimo de Shameka Brown, que de lady-senhora, nada tem. Notas biográficas: desde pequena que tinha língua afiada, tendo sido avisada pela mãe que isso ainda lhe ia arranjar sarilhos. Mas, mais importante do que a língua afiada, Lady desde cedo revelou uma outra capacidade: o dom da palavra. Escrevia discursos, poesia e histórias, mas só descobriu qual era a sua verdadeira vocação literária há dez anos atrás, quando começou a escrever as letras de uma banda que tinha com mais duas amigas, cujos concertos decorriam na cantina da escola onde estudavam. Em 2010 sacou um contrato discográfico, e, a partir daí, tem lançado paulatinamente várias canções que chamam a atenção pelos seus _e prometo que é isto que está escrito na biografia no MySpace_
in-your-face-lyrics. Como veremos, esta expressão é um verdadeiro eufemismo no que toca a falar dos logros líricos de Shameka Brown, aliás Lady. Não haverá, certamente, exemplo mais extremo para ilustrar a ideia que aqui quero deixar. Comecemos com uma canção cujo atraente nome é
Pussy be Yankin:
I can't even lie, I fuck better when I'm drankin,
Ride dick like a pro, throw the pussy like I'm famous,
Pussy feels so good, feels like the rubber off, ain't it?
You ain't gotta tell me, I know this pussy be yankin.
(...)
Look like you tired, I suggest you pop a pill or two,
You gotta keep up, when I make this thing do what it do.
You think you want it but you don't really want none,
I ain't come to play, I came to get this job done.
(...)
I hope you strapped for this incredible ride,
Look at my hips, they got a hell of a grind,
I started slow so you can relax your mind,
Cause once I finish, you gonna be outta yo mind.
I'm throwin' it back and you throwin' a little change,
He thinkin' 'bout gettin' a tattoo of my name,
He just forgettin' it, but I been in his game,
Didn't have no teacher, but this pussy been trained.
(Nem posso mentir, fodo melhor quando estou bêbada,/ Cavalgo pila como uma profissional, lanço a cona como se fosse famosa/ A cona sabe bem, parece que o preservativo saíu, não é?/ Não tens que me dizer, eu sei que esta cona suga./(...)/ Pareces cansado, sugiro-te que tomes um ou dois comprimidos/ Tens que acompanhar, quando esta coisa fizer a sua cena/ Pensas que queres, mas não sabes mesmo de nada/ Não vim aqui brincar, vim aqui fazer este trabalho./(...)/ Espero que apertes o cinto para esta viagem incrível/ Olha as minhas ancas, parecem uma trituradora/ Comecei devagar, podes relaxar/ Porque quando eu terminar vais estar fora de ti// Lanço para a frente e para trás, depois mudo um pouco/ Ele está a pensar a fazer uma tatuagem com o meu nome/ Ele esqueceu-se, mas eu conheço o jogo dele/ Não teve professor, mas esta cona está treinada.)
CREDO!!! Bem, comecemos: a Lady diz-nos que fode melhor quando está bêbada, o que já de si é muito nobre, mas que tem uma vontade tão grande que é melhor que o parceiro tome um ou dois comprimidos, e que aperte o cinto (Suponho que isto não seja literalmente, não sei.) porque a viagem vai ser tão incrível que ele até vai fazer uma tatuagem com o nome dela. Tudo bem, pode ser que nem todos se possam identificar com esta imagem um tanto leviana, mas não é nada que não se ouça e/ou veja em muitos sítios. Passemos, então, ao que realmente é perturbante nesta canção: primeiro, não compreendo o que é lançar a cona como se fosse famosa (Haverá uma maneira famosa de fazer sexo?). Segundo, e mais perturbante um pouco: Lady diz-nos que cavalga pila como uma profissional, para mais tarde nos dizer que não está ali para brincar, mas sim para fazer esse trabalho e que, apesar da cona não ter tido professores/as, está treinada. Tanto treino e tanto profissionalismo dá um tanto a ideia de que esta sessão de sexo tem menos a ver com o prazer do que com os negócios. Porque, a última vez que verifiquei, uma profissional do sexo é uma prostituta. É isto é suposto ser nobre? Representativo? Reforçar a auto-estima das mulheres? E não nos esqueçamos do título: Pussy be Yankin? A última palavra traduz-se por fazer sucção. Fazer sucção? Quem é o homem que quer estar com uma mulher cujo órgão sexual faz sucção? É que, ainda por cima, Lady diz-nos que o homem está com a sensação de que o preservativo saiu. Saiu lá dentro! Se saiu lá dentro, foi aspirado. Quem é o homem que quer fazer sexo com um aspirador? Arrisca-se a sair castrado e tudo porquê? Para se deitar com uma mulher um tanto feia, exageradamente maquilhada, com uma voz estridente que não sabe cantar, não consegue dançar e se gaba de ser uma profissional?
Mas passemos ao segundo exemplo, para elucidar aqueles que acharem que estou a fazer uma leitura demasiado literal ao deduzir da letra da canção acima que a sua cantora se afirma como prostituta. Chama-se este segundo êxito I Need, e conta com a participação de um outro rapper cujo nome é Fella (Inglês calão para cavalheiro, o que até faz um par interessante com uma lady...)
I need a nigga, I new dough-oh
Big dick, with a rainbow
Quaint yank any blowhole
I need a nigga with his own crib,
His own car, own phone
(...)
Fuckin', workin' I'm lookin' for a real boss
Take me to the mall, screamin' at dirty toast
In another week, I'll spend his whole paycheck
He shove my canckle and my pussy got wet
He eats meat when he make my pussy overflow
(...)
He likes me cause I got an assy attitude
Real rude, I'ma tell ya what I'm feelin' dude
I need a nigga that'll eat fat! Hit that!
Pull the trap, put the dick in a piss-bag
I need a nigga doin' bitches and her friends
Slap my ass, pull my hair and then call me bitch
A big dick is never scared of the clit
(...)
I need a nigga it's all about selling keys
Spending money like the mony grow on trees
And if you want my time, it'll cost a fee
(...)
[FELLA] I need a bitch with a wet, wet
Little nigga fluff: Got paid yet?
(Preciso de um preto, de dou-wow/ Pila grande com um arco-íris/ Que saiba usar um buraco de broche/ Preciso de um preto com a sua própria mansão/ O seu próprio carro, o seu próprio telemóvel/ (...)/ A foder, a trabalhar, estou à procura de um verdadeiro patrão/ Que me leve ao shopping e grite a fazer brindes porcos/ Noutra semana, gasto o vencimento todo dele/ Ele dá à manivela e a minha cona fica húmida/ Ele come carne quanto faz a minha cona inundar/ (...)/ Ele gosta de mim porque tenho uma atitude convencida/ Muito mal-criada, digo-te o que sinto, meu/ Preciso de um preto que me coma como um gordo! Dá-me forte/ Que caia na armadilha, e ponha a sua pila neste saco de mijo/ Preciso de um preto que coma cabras e as suas amigas/ Que me bata no rabo, me puxe o cabelo e me chame cabra/ Uma pila grande não tem medo dum clítoris/ (...) Preciso de um preto, é só vender chaves/ Gastar dinheiro como se ele crescesse das árvores/ E se queres o meu tempo, vai-te custar uma quantia/ (...) / [FELLA]: Preciso de ume cabra com uma molhadinha, molhadinha/ Pequena acariciadora de negros: Já te pagaram?)
ora aqui está, para quem tivesse dúvidas. Lady é bastante específica: quer um preto com pila grande com um arco-íris (Eu ia jurar que homens que fazem uso do arco-íris costumam não gostar de mulheres, mas ok.), que tenha casa, carro e telemóvel próprios, que coma carne quanto a excita, que lhe dê forte, que ande com outras mulheres e com as amigas dela, que a trate mal e que tenha muito dinheiro para ela poder esbanjar. E para que quer ela este preto? Não, não é para namorar, menos ainda para casar. Nada disso. Lady explica também que está à procura de um verdadeiro patrão. E não, isto não é uma outra forma de dizer que ela quer um homem forte e decidido. Não, porque, mais à frente, ela é bastante clara: se ele quer o tempo dela, tem que pagar uma determinada quantia. E quem são as mulheres que cobram uma quantia para darem tempo e sexo a um homem? Exactamente, são as prostitutas, pelo que se deduz que a palavra patrão é mesmo um eufemismo: não para um homem forte e decidido, mas sim para 'chulo' que é o patrão das prostitutas. Não esqueçamos ainda que ela canta esta canção com um outro rapper e que ele, falando daquilo que também ele precisa, diz que precisa de uma cabra entesoada e pergunta-lhe se já lhe pagaram. Preciso mesmo de acrescentar seja o que fôr, tirando que provavelmente Lady já encontrou o patrão que procurava? Há ainda um aspecto que gostaria de salientar: diz-se na biografia de Lady que ela foi sempre talentosa com as palavras, e I Need confirma-o: Terá havido mais alguma mulher capaz de se referir ao seu órgão sexual como um saco de mijo? Eu creio que não, mas se alguém souber, que me diga.
IV
Enfim, seis canções já deve ser tortura que chegue. E também deve ser suficiente para concluir estes apontamentos.
A ver se não deixo isto mal explicado. O que eu quero dizer aqui é que as mulheres, na música pop comerical, estão a fazer um trabalho inferior ao dos homens? Claro que não. Estou a dizer que as mulheres deveriam retirar-se da cena musical? É evidente que não. Estou a dizer que as mulheres fazem coisas assim e os homens não? Não, mesmo.
Por razões evidentes, em termos sociais, durante muito tempo houve um grande número de homens a expressarem-se de uma forma expedita ao ponto do ofensivo e do desrespeituoso, ao passo que havia uma certa ausência de mulheres fazendo o mesmo.
O que acontece agora neste tipo de música feita para ser consumida muito mais de que ouvida é que as novas gerações de mulheres preferiram reproduzir a boçalidade de certos artistas homens, em vez de procurarem aqueles e aquelas que souberam expressar-se com mais qualidade.
Quando, em 1991, Tori Amos lançou o seu 'Little Earthquakes', foi um estrondo porque ainda não havia muitas mulheres a expressarem-se de forma tão directa e tão sincera. O mesmo aconteceu ainda com Alanis Morisette quando lançou o seu 'Jagged Little Pill' em 1994. E mesmo Fiona Apple chocou muita gente logo desde 'Tidal' (1999), por falar abertamente dos seus relacionamentos passionais e sexuais não raro conturbados. E isto para não referir o trabalho de Madonna, que soube chocar quando mais nenhuma mulher o fazia, mas que chocou sempre com classe, com valor artístico e com consciência social, o que, aliás, continua a fazer.
Mas não é nada disso que fazem artistas (E digo artistas e não cantoras nem coisa que o valha.) de agora não é o mesmo. Porque as quatro que referi agora expressavam-se abertamente, mas com qualidade, lírica e musical, tendo uma verdadeira noção do que era arte. Mas gente como Katy Perry ou Lady Gaga ou Lady preferem um discurso desabrido, rude e facilista, que não é uma afirmação, mas sim uma forma de chamar a atenção. Haveria mal nisto? Nenhum. Nunca faltaram homens a fazerem o mesmo, e nisso o universo irritante e superficial do hip-hop foi verdadeiramente pioneiro.
O problema começa quando estas Gagas e estas Ladies e estas Katies começam a ser referidas como formas de feminismo, de afirmação sexual das mulheres. Está na moda a expressão 'empowering to women', que significa qualquer coisa como 'reforçar as mulheres' ou 'dar-lhes poder'. O problema é esse, e não outro. Que exista afirmação por parte das mulheres é essencial, porque enquanto existirem culturas que apedrejam mulheres por fazerem sexo ou que as obrigam a usar uma burka, os feminismos não podem parar e as mulheres e também os homens, a quem cabe grande parte da responsabilidade, não podem baixar os braços. Mas Katy Perry, Lady Gaga ou Lady não fazem música que reforce as mulheres ou que lhes dê qualquer tipo de poder. Apenas adoptam certa boçalidade masculina, numa espécie de reivindicação de bairro em que o que se afirma é a má-criação, e não a sexualidade.
Esta música não é arte, não é sequer música, é produto comercial: portanto, há que ter consciência de que ela será ouvida por muita gente, incluindo muitas raparigas que, numa idade de formação de personalidade, vão ficar convencidas que a maneira de se afirmarem é andarem de tacão de agulha a fazer sexo na praia, a perseguir psicóticos, a aceitar relações condenadas, a fazer sexo como profissionais e a exigirem dinheiro pelo seu tempo e pelo seu afecto.
Não há qualquer feminismo, nem qualquer 'empowerment' para as mulheres nas três mulheres que usei para exemplificar esta ideia. Há, quando bem vistas as coisas, um verdadeiro anti-feminismo, que confirma a ideia de muitas verdadeiras feministas de que, muitas vezes, as mulheres são as grandes inimigas das mulheres.
É, infelizmente, muito raro, encontrarmos nas novas gerações, artistas mulheres capazes daquilo que, há nem muito tempo, outras foram capazes de fazer e de que o Lilith Fair foi mostruário generoso. O que há nesta nova geração tem um nome, e um nome apenas: putaria. E talvez faça falta a muita gente compreender que feminismo não é sinónimo de putaria. A começar por muitas destas feministas de trazer por casa.
E foi a minha investigação. Não há cadáveres, mas há crimes, se virmos bem.