Passou ontem na Cinemateca de Lisboa o filme “M.H.M.” de André Godinho, documentário sobre Manuel Hermínio Monteiro, falecido editor da Assírio & Alvim.
Sobre o documentário, pouco a apontar, acima de tudo porque consegue perfeitamente cumprir os objectivos a que se propõe. Relatar o percurso de Hermínio Monteiro desde Trás-os-Montes até Lisboa, do curso de Direito ao departamento de vendas da Assírio & Alvim, e do departamento de vendas para a direcção. André Godinho apoia-se em fotografias e depoimentos, essencialmente, e consegue articulá-los bem, e fugir aos lugares comuns deste tipo de inclusões, nomeadamente nas fotografias que, aqui, em nada se assemelham a um slide-show, como poderia ter acontecido.
Os depoimentos de Manuela Correia, José Agostinho Baptista, Luís Guerra, António Costa, Sérgio Godinho, Graça Morais, Manuel António Pina e Luís Miguel Queirós vão dando uma noção de Hermínio Monteiro como pessoa e como editor da Assírio e Alvim, deixando bem claro que não havia realmente uma grande separação entre os dois. A relação com as origens transmontanas é particularmente explorada nos depoimentos de Graça Morais, por exemplo, ao passo que Manuel António Pina e Luís Miguel Queirós incidem mais na relação de MHM com Mário Cesariny de Vasconcelos e Eugénio de Andrade, cabendo a Manuela Correia as abordagens mais pessoais.
Entre vídeos caseiros, entrevistas e fotografias, vamos vendo também uma série de personagens da literatura que contactaram com MHM, de António Ramos Rosa a Nuno Júdice, a Fernando Pinto do Amaral, etc.
Apontar defeitos, penso que só se poderá fazer em relação ao conteúdo de alguns depoimentos. Nomeadamente porque são ditas coisas que ou não são verdade ou não são verdades muito exactas. Pelo menos em três casos:
Primeiro, quando se diz que MHM ou a Assírio e Alvim abriram portas a muitos novos autores. Por norma eu, quando vejo o número zero, penso “nenhum”, mas aparentemente há pessoas que face ao mesmo número dizem “muitos”. Que eu me lembre, a Assírio e Alvim publica quase apenas nomes muito consagrados. Podemos pensar em Luiza Neto Jorge, Gastão Cruz, António Franco Alexandre, António Barahona da Fonseca, Armando Silva Carvalho: todos estes foram publicados na Assírio já depois de serem autores realmente seguros. E mesmo os que não eram exactamente consagrados quando lá começaram a publicar, caso de Manuel de Freitas, também já não eram propriamente “novos autores”. Portanto, não sei muito bem qual a justificação para se dizer que MHM abriu portas a novos autores, e muito menos a “muitos”.
Depois, quando se fala de Hermínio Monteiro como um editor marginal. Isso é extremamente relativo, mas agora que caiu no goto falar de cultura “marginal”, parte-se sempre do princípio que assim é. À época, a Assírio e Alvim seria marginal como a Dom Quixote era marginal. Mas comparada com a &etc que inicia actividade um ano depois da Assírio e Alvim, ou com a Frenesi ou os primeiros tempos da Fenda, tendo todas existido ou existindo ainda paralelamente à Assírio e Alvim, não consigo entender muito bem o conceito de “marginal”. Não me parece que seja muito custoso dizer, como me parece que seria correcto, que Manuel Hermínio Monteiro conseguiu que o facto de dirigir uma editora que para todos os efeitos produzia lucros, e ainda produz, não fizesse do seu catálogo uma feira de best-sellers.
Por fim, a minha favorita, é quando se diz que todos os grandes poetas portugueses passaram pela Assírio e Alvim. Ora, eu podia fazer aqui uma lista de autores que venham na História da Literatura que nunca publicaram na Assírio e Alvim, e não são poucos. Alguns exemplos: António Ramos Rosa, Maria Teresa Horta, Isabel de Sá, Natália Correia, Jorge de Sena, Yvette K. Centeno, Irene Lisboa, Joaquim Manuel Magalhães, Paulo da Costa Domingos, Eugénio de Andrade, Sophia de Mello Breyner… Enfim. Sem demérito para a Assírio e Alvim, a verdade é que nem todos os grandes poetas portugueses passaram pela Assírio e Alvim.
Não que seja culpa de André Godinho, mas de facto, o grande problema deste documentário é o grande problema de qualquer homenagem que se faça: nos depoimentos, as pessoas falam e, para enaltecer, não se importam nem de exagerar nem de distorcer a verdade.
Sem demérito para Manuel Hermínio Monteiro, claro.
Sobre o documentário, pouco a apontar, acima de tudo porque consegue perfeitamente cumprir os objectivos a que se propõe. Relatar o percurso de Hermínio Monteiro desde Trás-os-Montes até Lisboa, do curso de Direito ao departamento de vendas da Assírio & Alvim, e do departamento de vendas para a direcção. André Godinho apoia-se em fotografias e depoimentos, essencialmente, e consegue articulá-los bem, e fugir aos lugares comuns deste tipo de inclusões, nomeadamente nas fotografias que, aqui, em nada se assemelham a um slide-show, como poderia ter acontecido.
Os depoimentos de Manuela Correia, José Agostinho Baptista, Luís Guerra, António Costa, Sérgio Godinho, Graça Morais, Manuel António Pina e Luís Miguel Queirós vão dando uma noção de Hermínio Monteiro como pessoa e como editor da Assírio e Alvim, deixando bem claro que não havia realmente uma grande separação entre os dois. A relação com as origens transmontanas é particularmente explorada nos depoimentos de Graça Morais, por exemplo, ao passo que Manuel António Pina e Luís Miguel Queirós incidem mais na relação de MHM com Mário Cesariny de Vasconcelos e Eugénio de Andrade, cabendo a Manuela Correia as abordagens mais pessoais.
Entre vídeos caseiros, entrevistas e fotografias, vamos vendo também uma série de personagens da literatura que contactaram com MHM, de António Ramos Rosa a Nuno Júdice, a Fernando Pinto do Amaral, etc.
Apontar defeitos, penso que só se poderá fazer em relação ao conteúdo de alguns depoimentos. Nomeadamente porque são ditas coisas que ou não são verdade ou não são verdades muito exactas. Pelo menos em três casos:
Primeiro, quando se diz que MHM ou a Assírio e Alvim abriram portas a muitos novos autores. Por norma eu, quando vejo o número zero, penso “nenhum”, mas aparentemente há pessoas que face ao mesmo número dizem “muitos”. Que eu me lembre, a Assírio e Alvim publica quase apenas nomes muito consagrados. Podemos pensar em Luiza Neto Jorge, Gastão Cruz, António Franco Alexandre, António Barahona da Fonseca, Armando Silva Carvalho: todos estes foram publicados na Assírio já depois de serem autores realmente seguros. E mesmo os que não eram exactamente consagrados quando lá começaram a publicar, caso de Manuel de Freitas, também já não eram propriamente “novos autores”. Portanto, não sei muito bem qual a justificação para se dizer que MHM abriu portas a novos autores, e muito menos a “muitos”.
Depois, quando se fala de Hermínio Monteiro como um editor marginal. Isso é extremamente relativo, mas agora que caiu no goto falar de cultura “marginal”, parte-se sempre do princípio que assim é. À época, a Assírio e Alvim seria marginal como a Dom Quixote era marginal. Mas comparada com a &etc que inicia actividade um ano depois da Assírio e Alvim, ou com a Frenesi ou os primeiros tempos da Fenda, tendo todas existido ou existindo ainda paralelamente à Assírio e Alvim, não consigo entender muito bem o conceito de “marginal”. Não me parece que seja muito custoso dizer, como me parece que seria correcto, que Manuel Hermínio Monteiro conseguiu que o facto de dirigir uma editora que para todos os efeitos produzia lucros, e ainda produz, não fizesse do seu catálogo uma feira de best-sellers.
Por fim, a minha favorita, é quando se diz que todos os grandes poetas portugueses passaram pela Assírio e Alvim. Ora, eu podia fazer aqui uma lista de autores que venham na História da Literatura que nunca publicaram na Assírio e Alvim, e não são poucos. Alguns exemplos: António Ramos Rosa, Maria Teresa Horta, Isabel de Sá, Natália Correia, Jorge de Sena, Yvette K. Centeno, Irene Lisboa, Joaquim Manuel Magalhães, Paulo da Costa Domingos, Eugénio de Andrade, Sophia de Mello Breyner… Enfim. Sem demérito para a Assírio e Alvim, a verdade é que nem todos os grandes poetas portugueses passaram pela Assírio e Alvim.
Não que seja culpa de André Godinho, mas de facto, o grande problema deste documentário é o grande problema de qualquer homenagem que se faça: nos depoimentos, as pessoas falam e, para enaltecer, não se importam nem de exagerar nem de distorcer a verdade.
Sem demérito para Manuel Hermínio Monteiro, claro.
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